A metodologia como dispositivo de orientação para a investigação
Hermano Carmo
Professor Catedrático Jubilado da Universidade de Lisboa e da Universidade Aberta
Resumo (Português): O objetivo deste artigo é procurar, de forma necessariamente breve, refletir sobre a importância da metodologia, usando-a como ferramenta para discernir melhor a realidade que nos rodeia, de modo a preparar decisões adequadas. Ao longo dele procura-se responder a quatro questões:
- Com que olhares podemos entender a realidade à nossa volta?
- Qual o papel da ciência em geral e da metodologia em particular, como instrumentos de discernimento?
- Como é que o projeto científico se assume como um dispositivo de orientação em qualquer investigação?
- Será que a metodologia pode ser usada com proveito em estudos sobre segurança?
Para o efeito, o Autor discorre, sucessivamente, sobre o primeiro dispositivo de orientação, correspondente à delimitação do campo de pesquisa; sobre a definição do rumo da pesquisa, entendida como segundo dispositivo de orientação; sobre a construção de modelos de análise (terceiro dispositivo); e, por último, sobre o quarto dispositivo de orientação, a saber, a organização da pesquisa.
O artigo termina com um alerta relacionado com a necessidade de se atender a um quadro ético personalista e solidário, sendo fiel aos princípios de integridade, liberdade intelectual, igualdade e responsabilidade profissional, científica e cívica.
Palavras-Chave: Metodologia; investigação científica; ética do trabalho científico.
Abstract (English): This paper reflects on the importance of methodology, using it as a tool to better discern the reality that surrounds us in order to prepare good decisions. Throughout it, we seek to answer four questions:
- With what looks can we understand the reality around us?
- What is the role of science in general and methodology as instruments of discernment?
- How does the scientific project assume itself as a guiding device in any investigation?
- Can methodology be usefully used in security studies?
To this end, the Author discusses, successively, the first guiding device, corresponding to the delimitation of the research field; the definition of the research direction understood as the second guiding device; the construction of analysis models (third device); and, finally, the fourth guiding device, namely the organisation of the research.
The article ends with a warning related to the need to attend to a personalistic and solidary ethical framework, being faithful to the principles of integrity, intellectual freedom, equality, professional, scientific and civic responsibility.
Keywords: Methodology; scientific research; ethics of scientific work.
Resumen (Castellano): El objetivo de este texto es reflexionar, de forma necesariamente breve, sobre la importancia de la metodología, utilizándola como herramienta para discernir mejor la realidad que nos rodea, con el fin de preparar decisiones adecuadas. A lo largo de ella se pretende responder a cuatro preguntas:
¿Con qué miradas podemos entender la realidad que nos rodea?
¿Cuál es el papel de la ciencia en general y de la metodología en particular, como instrumentos de discernimiento?
¿Cómo se asume el proyecto científico como dispositivo orientador de cualquier investigación?
¿Puede utilizarse la metodología de forma provechosa en los estudios de seguridad?
Para lo tanto, el Autor habla, sucesivamente, del primer dispositivo orientador, correspondiente a la delimitación del campo de investigación; de la definición de la dirección de la investigación, entendida como segundo dispositivo orientador; de la construcción de modelos de análisis (tercer dispositivo); y, finalmente, del cuarto dispositivo orientador, es decir, la organización de la investigación.
El artículo termina con una advertencia relacionada con la necesidad de atender a un marco ético personalista y solidario, siendo fiel a los principios de integridad, libertad intelectual, igualdad y responsabilidad profesional, científica y cívica.
Palabras-clave: Metodología; investigación científica; ética del trabajo científico.
Introdução
O objetivo deste artigo é procurar, de forma necessariamente breve, refletir sobre a importância da metodologia, usando-a como ferramenta para discernir melhor a realidade que nos rodeia, de modo a preparar decisões adequadas. Ao longo dele procurarei responder a quatro questões:
- Com que olhares podemos entender a realidade à nossa volta?
- Qual o papel da ciência em geral e da metodologia em particular, como instrumentos de discernimento?
- Como é que o projeto científico se assume como um dispositivo de orientação em qualquer investigação?
- Será que a metodologia pode ser usada com proveito em estudos sobre segurança?
I. Os diferentes olhares sobre a realidade
Fez agora um ano que a pandemia de COVID 19 nos confrontou com uma realidade surpreendente e assustadora: é de que vivemos numa sociedade onde o risco da ocorrência de acontecimentos inesperados e de grande impacto é cada vez mais frequente[1]. A meu ver, esta situação, deve-se sobretudo à conjugação de três macrotendências que estruturam a sociedade contemporânea: uma mudança acelerada, uma desigualdade crescente e uma desregulação dos sistemas de Poder[2].
Uma das resultantes da combinação destras três vagas de fundo é a formação de um denso nevoeiro informacional (Morin, 1981) – composto por um excesso de informação redundante (sobreinformação), uma falta de informação necessária (subinformação) e uma abundante informação falseada (pseudoinformação) – que obscurece a visibilidade sobre a realidade envolvente. Tal situação tem criado um sentimento de grande insegurança, com danos pessoais e coletivos evidentes. É neste contexto que emerge a necessidade de dispor de ferramentas adequadas a um melhor discernimento sobre a sociedade onde vivemos[3].
A tentativa de criar e aperfeiçoar instrumentos de compreensão da realidade, acompanha toda a história do homo sapiens. As religiões e os sistemas filosóficos, por exemplo, têm funcionado como intuições existenciais sobre o Mundo e a Vida, daí resultando um precipitado doutrinal, norteador do comportamento humano[4].
Por seu turno, as artes com as suas intuições sensoriais, têm permitido ler e interpretar a realidade com apelo às emoções. Alguns exemplos apenas para ilustrar: a poesia de Sofia de Mello Breyner Andersen e de Manuel Alegre, as baladas de Zeca Afonso e a trilogia de romances de Álvaro Guerra Café República, Café Central e Café 25 de Abril, constituem excelentes aproximações artísticas à realidade e problemas da sociedade portuguesa pré revolução democrática[5].
Também a ciência se constituiu como um instrumento de transformação progressiva de dados e informação em conhecimento só que, obedecendo à lógica diferente, de recorrer a um corpo de conhecimentos sistematizados, sujeito a um escrutínio e a uma correção constante (teoria); e de construir progressivamente esquemas de trabalho rigorosos e aceites, para recolher, analisar e difundir dados, transformá-los em informação e produzir um valor acrescentado de conhecimento. O conjunto desses procedimentos é designado por metodologia.
Como sabemos, em qualquer trabalho científico, toda a investigação deve respeitar várias etapas sucessivas e incontornáveis que começam pelo planeamento (clarificar o que se quer investigar, porquê, quando, onde, com que recursos e como o fazer), seguido da recolha, tratamento e análise de dados, para terminar na sua difusão.
Dadas as limitações editoriais, reportar-me-ei apenas aos procedimentos gerais para planear qualquer pesquisa[6], uma vez que, só deste modo, conseguiremos construir uma bússola que nos ajudará a ser eficazes (ou seja, a atingir os objetivos que pretendemos) e eficientes (ou seja a fazê-lo com a maior economia de meios). Deste modo, nas secções seguintes proponho debruçar-me sobre quatro dispositivos de orientação que é necessário construir para que qualquer investigação tenha êxito: circunscrever o campo da pesquisa, definir o seu rumo, construir modelos de análise e, finalmente, esboçar as linhas mestras da sua operacionalização (identificação e articulação dos recursos e estratégias de recolha, tratamento e análise dos dados e sua difusão posterior).
1. Primeiro dispositivo de orientação: a delimitação do campo da pesquisa
No primeiro momento do projeto devemo-nos interrogar sobre o campo da pesquisa, a que chamamos objeto de estudo.
1.1. Escolher o objeto de estudo
A delimitação do objeto de estudo deve ser cuidadosa, podendo assemelhar-se ao campo operatório de um cirurgião. Trata-se de identificar uma área de interesse do investigador onde ele terá de concentrar a sua atenção e recursos e para além da qual ele procurará não ir, sob pena de dispersar a primeira e desperdiçar os últimos.
Vejamos, por exemplo, a Figura 1 que procura equacionar, num mapa conceptual exploratório, o conceito de segurança. Trata-se, naturalmente, de uma primeira aproximação, mas que procura ser um primeiro organizador do pensamento[7].
Figura 1. Mapa conceptual exploratório sobre o conceito de segurança[8]
O processo de delimitação do objeto de estudo faz-se por um afunilamento progressivo e pode assemelhar-se a uma filtragem gradual de um produto, de modo a fazer emergir um dado precipitado, ou à construção de uma escultura a partir de um pedaço de mármore: a emergência da obra de arte ocorre através do ato de destruição do mármore excedente. Contrariamente ao escultor, o investigador, sobretudo se tem pouca experiência, tem frequentemente relutância em rejeitar informação (o seu mármore excedente), ou porque acha que lhe pode vir a fazer falta ou porque ainda não possui um critério seguro para avaliar a sua relevância. Nesta fase, antes de mais há que evitar três erros típicos (Quivy, & Campenhoudt, 2019):
- a gula livresca e estatística, que leva o investigador a ingerir sem critério quantidades gigantescas de informação, tendo como efeito uma maior confusão sobre o que pretende investigar (efeito de indigestão);
- o desprezo por mecanismos de orientação (e.g. definição de questões relevantes, de objetivos ou de hipóteses), daí resultando maior desorientação; e
- o que temos designado por gongorismo arrogante, que se traduz na enunciação confusa dos propósitos da pesquisa, usando uma terminologia palavrosa, pouco clara e rigorosa, frequentemente recheada de conceitos da moda, muitas vezes sem a necessária desconstrução[9].
Para ter uma ideia mais precisa sobre a temática que quer trabalhar, a experiência tem demonstrado ser útil, nesta fase, o uso de três critérios para a delimitação do objeto de estudo, que se podem designar por critério cognitivo, critério emocional e critério pragmático.
De acordo com o critério cognitivo, o objeto de estudo escolhido deve, tanto quanto possível, ancorar-se em conhecimentos prévios do investigador. Por exemplo, para dar um contributo para o estudo do fundamentalismo religioso (um tema relevante para o estudo da segurança coletiva), investigadores com formações diferenciadas de licenciatura, deverão adequar os respetivos conhecimentos teóricos e metodológicos àquela questão, partindo daí para a construção de diferentes objetos de estudo (Figura 2).
De acordo com o critério emocional, o candidato a investigador deverá procurar selecionar um objeto de estudo motivador, isto é, de acordo com os seus interesses. Este critério é fundamental por duas razões: primeiro, porque o processo de pesquisa exige como se costuma dizer para a dança clássica, 99% de transpiração e 1% de inspiração. Se assim é, sendo um caminho exigente, por vezes penoso e muitas vezes solitário, o investigador deve precaver-se e fortalecer o seu sistema imunitário contra eventuais crises emocionais que, quando não enfrentadas adequadamente, redundam em depressões e mesmo no abandono dos projetos. Para prevenir tais situações, a primeira coisa a fazer é escolher um objeto de estudo que lhe desperte curiosidade e mesmo prazer investigar, bem como construir redes de suporte à pesquisa[10].
Finalmente, de acordo com o critério pragmático, o objeto de estudo deverá ser escolhido tendo em conta a antevisão de boas fontes ou de bons resultados. Convém, portanto, refletir, de forma realista, se a temática da investigação imaginada não integrará demasiadas dificuldades no acesso às fontes escritas ou vivas, se o acesso à informação necessária será fácil ou se exigirá pedidos de autorização a terceiros pelo facto de ser reservada[11].
Tema geral: fundamentalismo religioso | ||
Formação de base | Eventuais temas relevantes | Possíveis opções metodológicas |
Línguas e literaturas | O fundamentalismo religioso na obra de … | Pesquisa documental. Análise textual. Análise de conteúdo, etc. |
História | Perseguidores e mártires na Europa do sec. XX: o caso de… | Pesquisa histórica (documental, iconográfica, monumental, etc) |
Antropologia | O fundamentalismo religioso em zonas suburbanas europeias: o caso de… | Observação (despercebida e participante). Entrevistas em profundidade, etc. |
Sociologia | O fundamentalismo religioso em zonas suburbanas europeias: o caso de… | Inquéritos (por entrevista e por questionário). Análise estatística, etc. |
Serviço Social | O fundamentalismo religioso em zonas suburbanas europeias | Investigação ação, etc. |
Ciência Política | Fundamentalismo e sistemas de poder na Europa contemporânea (elites, movimentos sociais, partidos grupos de pressão, opinião pública, etc.). : o caso de… | Pesquisa documental. Observação. Inquéritos (por entrevista e por questionário). Análise estatística, etc. |
Ciência da Administração | O fundamentalismo religioso na administração local: o caso de… | Pesquisa documental. Observação. Inquéritos (por entrevista e por questionário). Análise estatística, etc. |
Linguística | O fundamentalismo religioso no discurso político na Europa do século XX | Análise de conteúdo lexicométrica, semântica, etc. |
Relações Internacionais | O fundamentalismo religioso nas relações internacionais europeias no século XX | Pesquisa documental. Análise estatística |
Ciências da comunicação | Fundamentalismo religioso e discurso dos media: o caso de… | Análise de conteúdo Observação. Entrevistas em profundidade |
Gestão de recursos humanos | Fundamentalismo religioso e relações laborais: o caso de… | Observação. Inquéritos (por entrevista e por questionário). Etc. |
Psicologia | Psicogénese do fundamentalismo religioso: estudo sobre o processo de formação de representações sociais de intolerância face ao Outro | Testes. Entrevistas em profundidade. Aplicação de escalas de atitude. |
Educação social | Prevenção do fundamentalismo em meio escolar fechado: o caso do internato de… | Investigação ação. Observação participante |
Animação sociocultural | Prevenção do fundamentalismo em meio comunitário: o caso do bairro de… | Investigação ação. Observação participante |
Figura 2. Um exemplo de como investigadores com diferentes formações podem (e devem) debruçar-se sobre o mesmo tema condicionando, todavia, os objetos de estudo e a estratégia metodológica à sua formação de base e a sua experiência anterior.
Como foi atrás referido, uma vez escolhida a temática geral sobre a qual se quer debruçar, o investigador tem de delimitar o objeto de estudo, num processo semelhante ao do escultor e mármore, isto é, por exclusão sucessiva dos campos operatórios[12]. Para ilustrar este processo de desbaste por aproximações sucessivas veja o exemplo que se segue, a partir de um dos temas da Figura 2:
- Após refletir sobre a sua formação de base o investigador escolheu como objeto de estudo O fundamentalismo religioso em zonas suburbanas europeias. Sendo um tema demasiado amplo para uma investigação de um ano (imagine-se o cenário de uma dissertação de mestrado), reduz o objeto a um só país. Deste modo passou a definir o objeto de estudo deste modo:
- O fundamentalismo religioso em zonas suburbanas de Portugal. Ainda assim é muito grande. Deste modo, encurta-o para a capital, partindo do pressuposto que é no distrito de Lisboa que ocorrem mais relações interculturais. Fica assim:
- O fundamentalismo religioso em zonas suburbanas de Lisboa. Mesmo assim é evidente que tem de haver maior delimitação espacial, para o tempo disponível para a investigação. Vai por isso escolher, dentro do distrito da capital, um concelho com forte componente multicultural:
- O fundamentalismo religioso numa zona suburbana de Lisboa: o caso da Amadora. Delimitado o espaço, é fundamental agora escolher se quer fazer um estudo diacrónico (a evolução do fenómeno ao longo do tempo) e nessa altura haveria que dizer qual o período (por exemplo, nos últimos 20 anos), ou sincrónico (a situação num dado momento do tempo). Imagine-se que a escolha incidiu sobre um estudo sincrónico:
- O fundamentalismo religioso numa zona suburbana de Lisboa: o caso da Amadora no final da segunda década do século XXI. Ainda assim, para uma investigação de curta dimensão feita por uma só pessoa, trata-se se um objeto de estudo demasiado extenso. Já sabemos onde e quando, urgindo agora identificar um grupo religioso específico, tendo consciência que naquele concelho residem pessoas de várias confissões religiosas[13]. Ao fim de seis aproximações, poderia ser então assim definido:
- O fundamentalismo religioso numa zona suburbana de Lisboa: um estudo sobre o grupo (nome do grupo religioso), residente no concelho da Amadora no início da segunda década do século XXI.
Antes de prosseguir, convém sublinhar que para ter um bom dispositivo de orientação qualquer investigador precisa de cultivar uma atitude adequada e tomar algumas precauções relativamente ao uso de dois recursos fundamentais: a informação e o tempo, a fim de manter o controlo da situação tanto do ponto de vista cognitivo como emocional.
A investigação científica tende a ser cada vez mais um processo coletivo, com um elevado nível de interdependência. Este facto recomenda uma atitude altamente cooperativa entre os investigadores. Deste modo, e contrariamente a algumas tendências individualistas que nos últimos trinta anos valorizaram a competição, é minha convicção que a única competição desejável no processo de investigação é a que cada indivíduo tem consigo mesmo, procurando aperfeiçoar a sua intervenção, como cidadão ativo no desempenho específico de um papel de investigador científico. A observação das boas práticas recomenda que o investigador seja solidário com os outros e competitivo consigo.
Por outro lado, como artesão do conhecimento[14], o investigador tem de assumir simultaneamente uma atitude de aprendente e de ensinante, uma vez que investigar é aprender com o mundo e com a vida de uma certa forma, a científica, para depois partilhar (ensinar) essa experiência.
Para aprender bem qualquer coisa é necessário, antes de mais, ter curiosidade e imaginação[15], uma vez que o processo científico exige um esforço persistente para olhar a realidade de vários ângulos, para além dos previamente formatados pela socialização.
No mesmo sentido, Akio Morita, um dos fundadores da Sony, na sua autobiografia profissional, referia outra qualidade indispensável ao profissional, a capacidade para imitar[16]. A capacidade para imitar as boas práticas de investigação, não de forma ritual, mas crítica é, assim, uma outra atitude importante a cultivar, permitindo ao investigador tirar partido do património de experiência que cada ciência possui, seguindo por caminhos seguros e evitando erros cometidos por outros.
Uma outra característica a desenvolver como aprendente, ainda, é a que, desde finais do século passado, foi designada inteligência emocional, que traduz a capacidade para reconhecer e controlar as emoções, para as mobilizar em prol de objetivos considerados valiosos e para lidar com as emoções dos outros de forma aceitável. Isto é fundamental por três razões:
- Em primeiro lugar porque o processo de investigação não é fácil, exigindo muita energia emocional para ultrapassar os momentos de confusão, de solidão, e mesmo de desânimo que surgem com alguma frequência; e
- Em segundo lugar porque o processo de investigação é cada vez mais um processo coletivo, obrigando à gestão equilibrada do sistema de relações entre os atores, de modo a promover uma economia de esforços, permitindo constituir redes de cooperação com outros colegas, sem preconceitos nem medos.
- Finalmente, porque no âmbito do seu papel de aprendente, o investigador com inteligência emocional assume confortavelmente uma atitude de humildade intelectual, que lhe permite aceder e usar mais facilmente documentos não científicos[17] e valorizar fontes vivas heterodoxas[18].
O seu papel como ensinante, exige, por outro lado que treine competências de comunicação (sobretudo no campo da escrita e da oralidade) de modo a poder difundir adequadamente o que aprendeu.
Foi dito atrás que para além de assumir uma atitude adequada, um investigador deve ser cuidadoso no uso de dois recursos fundamentais: a informação e o tempo.
Para combater o nevoeiro informacional atrás referido, é crucial não se afogar em informação inútil (sobreinformação), mantendo-se fiel ao objeto de estudo previamente delimitado; aprender a preencher os espaços de subinformação, através da triangulação de fontes e técnicas; e reduzir os perigos da pseudoinformação através da análise contrastiva das fontes.
O tempo, por outro lado, é um dos recursos mais escassos, uma vez que, dada a mudança acelerada, encurtou o ciclo de vida do conhecimento[19] e, por consequência, o ritmo de produção científica. Deste modo, é importante o investigador ter consciência que toda a investigação tem um prazo de validade, para além do qual os seus resultados deixam de ser úteis. Sendo o tempo curto, tem de ser bem aproveitado, sendo recomendável uma calendarização rigorosa do trabalho.
2. Segundo dispositivo de orientação: definir o rumo da pesquisa
Após esta primeira etapa, o investigador está em condições de começar a definir o rumo da pesquisa, que constitui o segundo dispositivo de orientação, procurando identificar clara e rigorosamente, os resultados que pretende alcançar. A prévia definição de rumos é importante em todos os campos: no campo do desporto, por exemplo, para que um atleta seja campeão de corrida, precisa de saber onde está a meta. Se não souber, quanto mais corre mais se esgota, acabando por voltar no mesmo sítio (como um hamster correndo na roda da sua gaiola) ou afastando-se dela, como alguns concorrentes do troféu Dacar que se perderam no deserto.
Em Ciências Sociais, o rumo da pesquisa pode ser definido de três modos, de acordo com a natureza da investigação (Selltiz, Jahoda, Deutch & Cook, 1967) através da enunciação de perguntas relevantes, da explicitação de objetivos a atingir, ou da formalização de afirmações a confirmar (ou a infirmar), designadas por hipóteses.
A elaboração de uma ou mais questões que se querem ver respondidas é típica dos estudos exploratórios que, como o nome indica, se destinam a reconhecer um dado objeto de estudo pouco conhecido e a levantar hipóteses para o seu entendimento mais aprofundado. Normalmente parte-se de uma pergunta geral que depois é sucessivamente concretizada através de questões mais concretas em árvore.
Na Figura 3 pode observar um exemplo de uma árvore (inacabada) de questões, para equação do absentismo escolar, problema com evidentes implicações na identificação de ameaças à segurança de crianças e adolescentes. Como se pode observar, toda a informação constante na árvore está formalizada de forma interrogativa. A questão geral que fatores condicionarão o absentismo escolar foi operacionalizada em três perguntas:
- Estarão ligados às caraterísticas do próprio aluno?
- Será que se relaciona com a (in) satisfação das suas necessidades básicas?
- Em que circunstâncias é que o absentismo mais ocorre?
Continuando a procurar concretizar o seu problema de pesquisa, o investigador afina cada uma das questões precedentes em perguntas mais concretas e observáveis:
- O absentismo terá a ver com a não satisfação de necessidades de segurança?[20]
- O absentismo terá a ver com a não satisfação de necessidades de alimentação?
Figura 3. Exemplo de árvore de questões sobre o insucesso escolar
O processo de concretização progressiva deve continuar até o investigador poder selecionar indicadores observáveis (e.g. nº de refeições diárias), de modo a poder responder com segurança a cada questão relevante.
Apesar de ser típico de estudos exploratórios, este dispositivo em questões é frequentemente usado em estudos de natureza qualitativa, como os que se indicam, a título de exemplo na Figura 4, em que se enunciam as questões centrais de quatro teses de doutoramento:
Autor | Data | Título | Instituição e especialidade | Questões (Q) | |
Costa, Paulo | 2010 | Comunidade política, imigração e coesão social: o caso português, Lisboa, FCG.FCT | UAb, Ciência Política | Q Em que medida a existência de múltiplas pertenças étnico-culturais na comunidade política portuguesa será conciliável com a pretensão de manter uma comunidade socialmente coesa e politicamente unitária? | |
Pinto, Paula Campos | 2012 | Dilemas da diversidade: interrogar a deficiência, o género e o papel das políticas públicas em Portugal, Lisboa, FCG.FCT | U York, Toronto, Canadá, Sociologia | Q1 Que conceção de deficiência predomina no quadro legal e político vigente e nas práticas atuais da sociedade portuguesa?
Q2 Como se articula a questão do género nas políticas para a deficiência em Portugal? Q3 De que modo o quadro legal e político e as práticas sociais correntes afetam as experiências das mulheres com deficiência, particularmente no que diz respeito às suas vidas sexuais e reprodutivas? |
|
Núncio | 2008 | Mulheres em dupla jornada: a conciliação entre o trabalho e a família, Lx, ISCSP | UTL, ISCSP, Sociologia | Q Como se desenrola o quotidiano das mulheres, mães e trabalhadoras que têm de conciliar uma atividade profissional com as necessidades da família e, particularmente da maternidade? | |
Xerez, Romana | 2010 | Redes Sociais e Comunidades de Vizinhança em Alvalade | UTL, ISCSP, Sociologia | Q O bairro Alvalade é um local onde os vizinhos se preocupam uns com os outros? | |
Figura 4. Exemplos de estudos recentes com um dispositivo de orientação formalizado em questões gerais
A definição das intenções através de objetivos a atingir é habitual em estudos sociográficos ou descritivos, em que a intenção é descrever rigorosa e claramente um dado objeto de estudo na sua estrutura e no seu funcionamento. Imaginemos que se trata de um estudo sobre o mesmo objeto, ou seja sobre o absentismo escolar (Figura 5). Neste caso, apesar de se manter a lógica de concretização gradual, o desígnio da investigação é explicitado sob a forma de objetivos a atingir.
Estes devem ser certeiros e avaliáveis: certeiros, no sentido de serem definidos de forma clara e rigorosa; avaliáveis, de modo que no final da investigação se possa determinar com exatidão se foram ou não atingidos.
Um modo de procurar introduzir rigor e clareza na definição dos objetivos é o investigador, na definição de cada um, tentar explicitá-los, de forma a responder às clássicas questões O quê? Quando? Onde? Quanto? Como? Porquê?
Figura 5. Exemplo de árvore de objetivos sobre o insucesso escolar
Cada objetivo deve ser formalizado sob a forma de uma ação a empreender sendo conveniente usar verbos no infinitivo que exprimam outputs – identificar, caracterizar – e nunca inputs – entender, estudar, … – uma vez que terão de ser avaliáveis. Na figura 6, pode-se observar como foram enunciados os objetivos em duas teses de doutoramento:
Autor | Data | Título | Instituição e especialidade | Questões (Q) Objetivos (O) e hipóteses (H) |
Mesquita, Margarida | 2010 | Parentalidade (s) nas famílias nucleares contemporâneas com crianças em idade escolar: dimensões, desafios, conflitos, satisfação e problemas | UAb, Sociologia | O1 Caraterizar a parentalidade nas famílias nucleares contemporâneas
O2 Identificar possíveis problemas e medir o grau com que estão a ser vivenciados. O3 Explorar, com base nos vários problemas, a complexidade e diversidade do modo com que é vivida a parentalidade |
Esgaio, Ana | 2010 | A Economia Social e Solidária e os Serviços de Proximidade em Portugal: a constituição de redes locais de responsabilidade Social: o caso de Oeiras
|
UTL, ISCSP, Sociologia | O1 Identificar os atores que participam numa Rede Local de Responsabilidade Social no Concelho de Oeiras, no quadro da Economia Social e Solidária;
O2 Identificar as representações que esses atores têm da Rede acima mencionada; O3 Identificar as práticas desenvolvidas na Rede pelos diversos atores; O4 Identificar as relações entre atores no âmbito da Rede de Responsabilidade Social; O5 Formular hipóteses relativamente às variáveis em jogo na criação e manutenção de Redes de Responsabilidade Social no âmbito da Economia Solidária, a partir do trabalho empírico desenvolvido |
Figura 6. Exemplos de dois estudos com um dispositivo de orientação formalizado em objetivos
A formalização do rumo da investigação por via de afirmações provisórias, as hipóteses, a confirmar ou infirmar no decorrer da pesquisa, é típica em estudos em que a comunidade científica já tem uma quantidade significativa de conhecimentos prévios e quando se pretende um aprofundamento do conhecimento através de análise quantitativa.
Neste caso, o contexto da pesquisa não é tanto de descoberta mas de verificação (Philips, 1974)[21], ou seja, a partir de uma realidade sobre a qual possui já algum conhecimento, quer pela documentação disponível provinda de literatura da especialidade, quer por recolha de dados anterior, o investigador decide verificar se determinadas explicações do fenómeno são plausíveis ou não.
A formalização das suas intenções é feita, nestas circunstâncias, sob a forma de proposições claras e rigorosas, as hipóteses, que devem seguir a mesma lógica descrita para a enunciação de questões e de objetivos, ou seja, serem operacionalizadas em subhipóteses mais concretas, que permitam uma verificação mais rigorosa.
Para permitir a comparação com os procedimentos anteriores observe-se a Figura 7, que representa uma investigação sobre o mesmo objeto de estudo – absentismo escolar – mas em que se pretende fazer um estudo verificador de hipóteses:
Figura 7. Exemplo de árvore de hipóteses sobre o insucesso escolar
Utilizando a mesma árvore lógica dos desenhos anteriores, definiram-se várias hipóteses que se entendeu serem de interesse verificar (confirmar ou infirmar):
- H1-O absentismo escolar está ligado a caraterísticas inerentes ao próprio aluno
- H11 – não se relaciona com a sua capacidade de aprendizagem escolar
- H12 – tem a ver com o seu comportamento individual
- H2 deve-se à não satisfação das necessidades básicas dos alunos
- H21 – está relacionado com a insegurança dos alunos
- H22 – está relacionado com a satisfação das necessidades alimentares dos alunos
- H23 – não está relacionado com a satisfação das necessidades de habitação dos alunos
- H3 (implícita): as faltas mais frequentes são dadas em certas circunstâncias
À semelhança do que viu para as questões e objetivos, pode observar-se na Figura 8 a ilustração da formulação das hipóteses, em três trabalhos académicos:
Autor |
Data |
Título |
Instituição e especialidade |
Questões (Q) Objetivos (O) e hipóteses (H) |
Pinto, Conceição P. | 2004 | Intimidade em adolescentes de diferentes grupos étnicos | UAb, Ciências da Educação | H1 As raparigas têm scores mais altos de intimidade nas relações de amizade com a melhor amiga que os rapazes.
H2 A posição social influencia a intimidade na relação de amizade H3 A religião influencia a intimidade na relação de amizade H4 A intimidade na relação de amizade tem uma correlação positiva com a satisfação com a vida e negativa com a solidão. |
Ramos, Mª Luz | 2008 | A elite de funcionários públicos de Cabo Verde: o caso de S. Vicente | UTL,ISCSP, M Sociologia | H0 (geral) O recrutamento da elite dos funcionários públicos em S. Vicente é feito de acordo com diversos fatores
H1 sócio demográficos (dade, género, habilitações literárias, instrução, ocupação do pai) H2 institucionais (cargo e antiguidade na AP); H3 políticos (envolvi/ político-partidário, posição P-P, participação política e participação cívica) |
Cunha, Mª João | 2008 | Mass media e imagem corporal: representações e impactos da publicidade da imprensa feminina na imagem corporal das adolescentes | UAb, Ciências da Comunicação | H0 (geral): As representações de corpo na publicidade da imprensa feminina portuguesa influenciam negativamente a autoavaliação e o investimento (a nível de comportamentos de perda de peso) que as adolescentes fazem na sua imagem corporal |
Figura 8. Exemplos de estudos com um dispositivo de orientação formalizado em hipóteses
Em resumo, podemos dizer que o segundo dispositivo de orientação que o investigador deve construir é um sistema de questões, de objetivos ou de hipóteses, que, de comum, têm o facto de deverem ser claros e rigorosos e, de diferente, a sua formalização.
Uma coisa é certa: tão científico é um estudo exploratório, equacionado sob a forma de questões, como um estudo descritivo ou sociográfico, desenhado com recurso a uma árvore de objetivos, como ainda um estudo verificador de hipóteses, uma vez que o que define a sua cientificidade não é o seu contexto de descoberta ou de verificação, mas o dispositivo rigoroso que lhes marca o rumo.
3. Terceiro dispositivo de orientação: construir modelos de análise
Pode afirmar-se que o investigador que conseguiu criar este segundo dispositivo de orientação já sabe bem o que pretende fazer, em termos dos resultados a obter (responder a perguntas, alcançar metas ou verificar hipóteses).
Nesta fase, já deu um segundo passo para alcançar a visão de conjunto a que pretende chegar quando concluir o projeto de investigação. A Figura 9, na página seguinte, procura representar de forma diagramada dez procedimentos que integram a construção de qualquer projeto.
Seguidamente deverá procurar conhecer melhor o que outros investigaram anteriormente, como o fizeram e que resultados obtiveram. Este procedimento é indispensável para poupar tempo e recursos, uma vez que nenhuma pesquisa parte de um nível zero de conhecimentos. É por isso indispensável proceder ao enquadramento teórico do seu trabalho. Para o efeito, terá de proceder à pesquisa documental necessária a fim de conhecer, tanto as teorias aplicáveis como os conhecimentos já produzidos pela comunidade científica.
Com este capital de conhecimentos em carteira, convém criar um novo dispositivo de orientação mais preciso, que lhe permita controlar os procedimentos seguintes. Trata-se agora de ultrapassar a pergunta já respondida o que vou investigar, para passar à fase de como proceder para obter os resultados que desejo?
Os arquitetos, nesta fase, constroem maquetes, isto é, modelos (representações simplificadas) a três dimensões da obra que pretendem realizar. Os engenheiros costumam elaborar modelos a escala reduzida das obras idealizadas (pontes, edifícios, barragens, etc.), a fim de simular a sua resistência, por exemplo.
Em Ciências Sociais, também é habitual o uso de modelos, quer para salientar os principais aspetos em jogo de uma realidade complexa e as suas inter-relações, quer para conceber o plano ou a estratégia, destinados a obter a informação que se deseja (Sampieri, Collado & Lucio (2007). É o caso da Economia, por exemplo, que desde há muito usa modelos matemáticos e não matemáticos para descrever e para simular a dinâmica dos sistemas económicos.
Planeamento e Avaliação de Projetos de Investigação
Fonte: Novak, Joseph; Gowin, Bob (1996). Aprender a aprender, Lisboa, Plátano, 1ª edição de 1984; Moreira, M.A, Buchweitz, B. (1993). Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas conceptuais e o Vê epistemológico, Lisboa, Plátano; Novak, Joseph (2000). Aprender, criar e utilizar o conhecimento – mapas conceptuais como ferramentas de facilitação nas escolas e empresas, Lisboa, Plátano
Figura 9. Vê de Gowin representativo dos vários elementos que devem integrar o planeamento de um estudo em Ciências Sociais (atualização de Carmo & Ferreira, 2015: 54)
Dá se o nome de modelos de análise, às representações dos principais elementos a estudar: modelos, porque são representações simplificadas; de análise, porque pretendem ser ferramentas úteis para desconstruir problemas de investigação, salientando as principais variáveis em jogo[24] e as suas relações, e definindo um caminho para obter a informação desejada. Neste sentido pode afirmar-se que os modelos de análise são verdadeiros estruturadores cognitivos, pois ajudam o investigador a pensar melhor o que quer fazer, pertencendo ao conjunto das ferramentas metacognitivas[25] à sua disposição.
De comum, os bons modelos de análise devem espelhar uma desejável consistência entre teoria, metodologia e trabalho de campo, exigindo, por consequência, algum lastro teórico e metodológico do investigador. Essa consistência vai sendo ganha, num processo gradual, à medida que a investigação avança, até ganhar alguma estabilidade.
Existem muitos tipos de modelos, uns mais simples, outros mais complexos e com diferentes objetivos.
O vê de Gowin, por exemplo, apresentado atrás, para além de modelo de planeamento de investigação, pode ser também usado como modelo de análise para avaliar os seus resultados. Seguindo as próprias palavras do seu criador, Bob Gowin, no primeiro caso destinam-se a empacotar conhecimento, no segundo caso a desempacotá-lo[26].
Tal como os Vês de Gowin, também conhecidos por vês heurísticos ou vês epistemológicos, os mapas conceptuais criados por Joseph Novak[27] são outras excelentes ferramentas metacognitivas usadas quer em investigação quer em gestão (NOVAK, 2000). São ferramentas de representação do conhecimento que assumem a forma de diagramas bidimensionais, representativos de conceitos hierarquicamente organizados e articulados num dado campo de conhecimento (MOREIRA & BUCHWEITZ, 1993).
Fundamentando-se na teoria da aprendizagem significativa de Ausubel [28], são utilizados para desconstruir e construir campos semânticos, constituindo excelentes ferramentas para o investigador poder gerar modelos de análise. Nas figuras 10 e 11 (nas páginas seguintes) podem-se observar dois exemplos do uso deste instrumento de trabalho, para construir o conceito de educação para a democracia e para desconstruir o problema das crianças em risco.
Figura 10. Mapa conceptual representativo dos vários elementos que devem integrar uma estratégia de educação para a cidadania (Carmo, 2014: 162)
Figura 11. Mapa conceptual que pretende desconstruir e problema das crianças em risco, a partir do modelo de análise proposto pela criminologista Josine Gunter-Tas (1999). Veja-se o uso de diferentes cores para distinguir os riscos das medidas de proteção.
Para além dos dois tipos de ferramentas atrás descritas, existem muitas outras formas de construir modelos de análise, que tenho chamado estruturadores cognitivos (CARMO, & FERREIRA, 2015: 49), como os dois seguintes. O primeiro, pretende identificar os principais fatores de socialização, condicionadores do comportamento desviante, propostos por criminóloga Josine Junger-Tas (1999) (Figura 12); o segundo, construído pelo autor para analisar postos de trabalho, grupos, organizações e redes, usando a abordagem sistémica (Figura 13)
Figura 12. Variáveis estratégicas da socialização, condicionadoras do comportamento humano (adaptado de JUNGER-TAS, 1999)
Figura 13. Modelo de abordagem sistémica (modelo do avião), para análise de sistemas às escalas macro, meso e micro (CARMO, 2011: 59)
4. Quarto dispositivo de orientação: organizar a pesquisa
Consolidados os três primeiros passos, resta operacionalizar o planeamento da investigação com as seguintes tarefas:
- Listar, diagramar e calendarizar as principais tarefas de recolha, tratamento e análise de dados bem como a sua difusão.
- Identificar e organizar os recursos materiais, institucionais e logísticos necessários (e.g. instalações, equipamentos, apoio financeiro, transportes, hardware e software, parceiros, etc.).
- Identificar as fontes documentais e as fontes vivas (e.g. informadores, população a inquirir, supervisores científicos).
Concluindo
À guisa de conclusão, gostaria de referir que nenhuma investigação terá qualquer reconhecimento se não se enquadrar num quadro ético personalista e solidário, sendo fiel aos princípios de integridade, liberdade intelectual, igualdade e responsabilidade profissional, científica e cívica. Dado o espaço não o permitir, remeto o leitor para a leitura proveitosa do Código Europeu de Conduta para a Integridade da Investigação (Allea, 2018).
Referências bibliográficas
Allea (2018). Código Europeu de Conduta para a Integridade da Investigação. Berlim: All European Academics, Edição revista
Carmo, H. (2011). Teoria da política social: um olhar da Ciência Política. Lisboa: ISCSP
Carmo, H. (2014). Educação para a cidadania no século XXI: trilhos de intervenção. Lisboa: Escolar Editora
Carmo, H. (2021). Efeitos da pandemia Covid 19 na educação para a cidadania. In Reflexões sobre Psicologia e Educação no contexto da pandemia no Brasil e em Portugal. Teresina: Editora brasileira da Universidade Federal do Piauí/UFPI – EDUFPI, no prelo
Carmo, H. & Ferreira, M. (2015). Metodologia da investigação: guia para autoaprendizagem. Lisboa: Universidade Aberta, 3ª edição em formato e-book
Dinis, J. (2005). Guerra de informação: perspetivas de segurança e competitividade. Lisboa: Sílabo
Drucker P. (1986). Inovação e gestão, uma nova conceção da estratégia das empresas, Lisboa, Presença
Gil, A. (1996). Como elaborar projetos de pesquisa. S. Paulo: Atlas
Goleman, D. (1995). Inteligência emocional. Lisboa: Temas e debates
Hegarthy & Leonard (1999). Direitos do Homem: uma agenda para o século XXI. Lisboa: Instituto Piaget
Junger-Tas, J. (1999). Ethnic minorities, social integration and crime, “European Journal on Criminal Policy and Research”, 9: 5-29, Kluwer Academic Publishers, Printed in the Netherlands
Mills, W. (1969). A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar.
Moreira, M. & Buchweitz (1993). Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas conceptuais e o Vê epistemológico. Lisboa: Plátano
Morin, E. (1981). As grandes questões do nosso tempo. Lisboa: Noticias
Morin, E. (1991). Os problemas do fim do século. Lisboa: Notícias
Morita, A. (1987). Akio Morita, a Carreira de um Supergestor Fundador da Sony, Made in Japan. Lisboa: Presença
Novak, J. (2000). Aprender, criar e utilizar o conhecimento – mapas conceptuais como ferramentas de facilitação nas escolas e empresas. Lisboa: Plátano
Novak, J. & Gowin, B. (1996). Aprender a aprender. Lisboa: Plátano, 1ª ed. de 1984
Philips, Bernard S. (1974). Pesquisa Social. Estratégias e Táticas. Rio de Janeiro: Agir
Quivy, R, & Campenhoudt, V. (2019). Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva
Sampieri, Collado & Lucio (2007) Metodologia de pesquisa. Lisboa: Mc Graw Hill, 3ª edição
Selltiz, Jahoda, Deutch e Cook (1967), Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais. S. Paulo: Herder (existe uma edição atualizada de 2007)
NOTAS
[1] Para designar estes eventos inesperados e de grande impacto social, caraterizados pela incerteza, pela complexidade e indutores de anomia, Nassim Taleb, professor do Instituto Politécnico da Universidade de Nova Iorque, sugeriu o termo cisne negro (Carmo, 2021).
[2] Sobre estas três macrotendências veja-se, por exemplo (Carmo, 2014)
[3] “De acordo com Dinis, (2005), Guerra da informação – perspetivas de segurança e competitividade, Lisboa, Sílabo, pp. 23-25, os conceitos de dados, informação, conhecimento e saber são pedras basilares que caracterizam o funcionamento da sociedade de informação. Dados são conjuntos de elementos discretos, não organizados, compostos por números, palavras, sons ou imagens independentes, e que podem ser facilmente estruturados. (…) Informação é um conjunto de dados organizados, padronizados, agrupados e/ou categorizados que dizem respeito a uma descrição, definição ou perspetiva. (…) Conhecimento é informação associada a uma experiência, que compreende uma estratégia, uma prática, um método ou uma abordagem. (…). Saber ou sabedoria exprime um princípio, discernimento, costume ou arquétipo, correspondendo a uma dada competência. É neste quadro semântico que se afirma que o investigador tem de transformar informação em conhecimento” (CARMO, & FERREIRA, 2015: 40).
[4] O valor norteador da solidariedade, por exemplo, encontra-se explicitado em todos os textos fundacionais das grandes religiões (cf. CARMO, 2011: 144 e sgs.).
[5] Outros exemplos: os romances, Tempos difíceis de Charles Dickens e Germinal, de Émile Zola, ilustram melhor que qualquer ensaio científico, o quotidiano dos operários na 1ª fase da revolução industrial. O mesmo se pode dizer de algumas pinturas de Van Gogh (e. g. desenhos e pinturas, que espelham com grande dramatismo a vida dos trabalhadores de minas de carvão de Borinage).
[6] O planeamento é traduzido num documento, o projeto que é a carta de intenções do investigador. Para o conjunto dos outros procedimentos da investigação, há muita bibliografia no mercado. O leitor poderá obter uma visão introdutória, por exemplo, em CARMO & FERREIRA (2015).
[7] Os mapas conceptuais, são ferramentas metacognitivas que permitem clarificar os conceitos. Estes, por sua vez são os nossos principais instrumentos de raciocínio e de comunicação, sendo por isso fundamental clarificá-los. Ver sobre esta matéria CARMO & FERREIRA, (2015: 40-55).
[8] No que respeita ao sistema coletivo de proteção, alguns autores tipificam os direitos humanos em três gerações: Direitos civis e políticos (geração azul): direito à vida, a um julgamento justo, à privacidade, à liberdade de reunião, de expressão e de religião. (Hegarty, 1999:28); Direitos económicos e sociais (geração vermelha): direito ao trabalho, ao abrigo, à alimentação, à segurança social e aos cuidados de saúde; Direitos de solidariedade (geração verde): direitos coletivos ou de grupo, (…) incluem o direito à autodeterminação, (…) ao desenvolvimento, dos povos indígenas à sua identidade, o direito a um ambiente protegido e à paz (Hegarty, 1999: 30). Cfr. CARMO (2011: 115)
[9] O discurso complicado do projeto é indicador, habitualmente, da confusão do próprio investigador que não sabe bem o que quer. Deste modo manda a experiência que testemos os nossos projetos dando-os a ler a pessoas de fora da academia. Se elas entenderem é um sinal promissor em relação à sua clareza.
[10] Quando o projeto de dissertação ou de tese não está integrado num projeto científico coletivo, de preferência ligado a um Centro de Estudos, o que cada vez mais é recomendável, encontros periódicos com os colegas a par das reuniões calendarizadas com o orientador têm-se revelado excelentes apoios para vencer a solidão e o risco de desistência da investigação.
[11] Em certas áreas estudadas pelas ciências sociais, a informação disponível constitui algo de secreto ou de sagrado para os informadores (informadores qualificados e inquiridos, por exemplo), mesmo que formalmente não o seja, assumindo-se como um obstáculo inesperado para o investigador
[12] Os japoneses usam para designar este tipo de estratégia a palavra kaizen que significa aperfeiçoamento sistemático e deliberado por pequenos avanços, estratégia essa que esteve na base do desenvolvimento do Japão no pós-guerra.
[13] Cristãos de várias proveniências (católicos, protestantes e ortodoxos), judeus, muçulmanos (sunitas e ismaelitas), hindus, budistas e de outras confissões com menor expressão numérica.
[14] O termo foi adaptado de Wright Mills que, no apêndice da sua obra clássica (1969) A imaginação sociológica, referia-se à sua rotina de trabalho científico como artesanato intelectual.
[15] Peter Drucker, uma das grandes figuras de referência da teoria e da prática de gestão, numa obra recheada de exemplos significativos (Drucker, 1986), referia que uma importante prática de inovação nas organizações consistia em tirar partido do inesperado (do acontecimento, do êxito e do fracasso), para o que era fundamental uma atitude de elevada imaginação.
[16] No japonês a palavra aprender (manabu) tem a mesma raiz da palavra imitar (manebu) (Morita, 1987: 147).
[17] Por exemplo, a literatura e a filmografia de ficção podem ser excelentes fontes de reflexão científica (Carmo & Ferreira, 2015).
[18] Por exemplo, alguns informadores qualificados não têm quaisquer habilitações académicas. Todavia, são indispensáveis como fontes de informação de alta qualidade. Uma atitude de arrogância do investigador poderá cerrar-lhe muitas portas.
[19] O ciclo de vida do conhecimento (CVC) é o período que medeia o nascimento de um dado conhecimento e aquele em que morre por desatualização. No início do século XX, por exemplo, em que a esperança média de vida (EMV) nos países mais desenvolvidos era de cerca de 40 anos, o CVC em muitos casos excedia a EMV. Como efeito, o conjunto de conhecimentos obtido na formação inicial, era suficiente para o indivíduo desempenhar adequadamente os seus papéis ao longo da vida. Hoje, a formação inicial tem de ser atualizada e realimentada ao longo da vida para obter os mesmos resultados. Daí, por exemplo, que as licenciaturas sejam mais curtas: a realimentação dos conhecimentos nelas aprendidos, terá de ser feita ao longo da vida através de programas formais como mestrados e doutoramentos, ou informais através de módulos livres de formação.
[20] Para concretizar esta questão poder-se-ia questionar, por exemplo, se as crianças e adolescentes vítimas de bullying teriam uma maior taxa de absentismo.
[21] Philips distingue os contextos de investigação em contextos de descoberta e de justificação (1974: 98 e sgs). Neste texto substituiu-se a segunda designação por verificação, por se afigurar mais adequada, uma vez que nesses estudos se pretendem verificar afirmações provisórias, ou seja, hipóteses.
[22] Por exemplo: à segunda e à sexta-feira
[23] Por exemplo, ao primeiro tempo da manhã e ao último da tarde.
[24] Uma variável, é “tudo aquilo que pode assumir diferentes valores ou diferentes aspetos segundo os casos particulares ou as circunstâncias” (Gil, A. 1996: 36). Nos exemplos dados atrás, o absentismo, as condições de segurança do aluno, o tipo de faltas, são exemplos de variáveis.
[25] Ferramentas metacognitivas são instrumentos à disposição do investigador cujo objetivo é ajudá-lo a gerir melhor a informação e a transformá-la em conhecimento, permitindo-lhe aprender a melhor apreender a realidade que investiga (Carmo, & Ferreira, 2015: 40).
[26] Outros exemplos significativos: quando se planeia escrever um artigo, está-se a empacotar conhecimento; quando se analisa um artigo ou uma monografia, está a desempacotar-se conhecimento (Novak & Gowin, 1996).
[27] Tal como Bob Gowin, Novak foi professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos da América, tendo sido pioneiro no domínio da Psicologia Cognitiva.
[28] O conceito de aprendizagem significativa que se contrapõe ao de aprendizagem mecânica, supõe uma interiorização de conhecimentos novos, por associação ou ancoragem a estruturas cognitivas pré-existentes. Em termos práticos, a aprendizagem a tirar partido da experiência anterior do aprendente.