A medição do crime e o caso particular da criminalidade violenta em Portugal

Carina Quaresma
Doutorada em Lei e Segurança pela UNL. Investigadora do ICPOL

Resumo (Português): A criminalidade violenta representa uma grave violação dos direitos humanos e, para uma prevenção e combate eficazes, é essencial dispor-se de formas de medição do crime adequadas. Tendo por base os resultados da investigação concluída em 2019, começa-se por apontar a necessidade de refletir sobre a própria definição, uma vez que coexistem duas versões oficiais de criminalidade violenta em Portugal, uma para fins estatísticos e outra para fins legais, sendo a sobreposição de crimes, entre ambas, inferior a 50%, e que conduzem a conclusões divergentes quanto à variação observada e analisada para um período de dez anos (2008 a 2017). São apresentadas reflexões e propostas ao nível da medição da severidade criminal (através de índices inter e intra-criminais), como formas complementares de medição do crime numa vertente mais qualitativa (“carga de violência”), sendo igualmente apresentados alguns resultados decorrentes dessas análises, que indiciam um potencial aumento da severidade criminal, nomeadamente nos crimes contra as pessoas, designadamente nos homicídios. São ainda abordados indicadores relativos à progressão dos casos ao longo das várias fases do processo criminal que posicionam o homicídio e a violência doméstica em polos opostos. São discutidas estas e outras propostas que visam contribuir para o aperfeiçoamento do conhecimento ao serviço do planeamento estratégico no domínio das políticas públicas de segurança interna.
Palavras-chave: criminalidade violenta; medição do crime; segurança interna; políticas públicas; severidade criminal.

Abstract (English): Violent crime represents a serious violation of human rights and, in order to prevent and fight crime in an effectively manner it is essential to provide adequate forms of measuring crime. Based on an investigation finished in 2019, one begins by pointing out a need to reflect on the definition, since two official versions of violent crime coexist in Portugal. One definition is used for statistical purposes and the other for legal ones, existing an overlap between them of less than 50% of crimes included, which lead to differences in the variation observed and analysed for a ten years period (from 2008 to 2017). Reflections and proposals in terms of measuring criminal severity (through inter and intra-criminal indexes) are presented, as complementary forms of studying crime in a more qualitative dimension (“load of violence”), and some results obtained from these analyzes are also presented. Such results indicate a potential increase in criminal severity, namely in crimes against people (e.g. homicides). The investigation also included some data related to the progression of cases over the various stages of the criminal process. Such data position homicide and domestic violence in opposite poles. These and other proposals that aim to contribute to the improvement of knowledge serving strategic planning in the field of internal security public policies are discussed.

Keywords: crime measuring; criminal severity, internal security, public policies; violent crime.

Resumen (Castellano): El crimen violento representa una grave violación de los derechos humanos y, para prevenirlo y combatirlo de manera eficaz, es fundamental contar con formas adecuadas de medición del crimen. A partir de los resultados de la investigación finalizada en 2019, comienza señalando la necesidad de reflexionar sobre la propia definición, ya que en Portugal coexisten dos versiones oficiales de crimen violento, una con fines estadísticos y otra con fines legales, siendo la superposición de crímenes menos del 50% entre ellos, y que llevan a conclusiones divergentes sobre la variación observada y analizada por un periodo de 10 años (2008 hasta 2017). Se presentan reflexiones y propuestas en términos de medición de la severidad criminal (a través de índices inter e intracriminal), como vías complementarias de medir el crimen en una dimensión más cualitativa (“carga de violencia”), y también se presentan algunos resultados resultantes de estos análisis, que indican un potencial aumento de la gravedad delictiva, concretamente en delitos contra las personas (por ejemplo, en el homicidio). Indicadores relacionados con la progresión de los casos a lo largo de las distintas etapas del proceso penal posicionan el homicidio y la violencia doméstica en polos opuestos. Se discuten estas y otras propuestas que tienen como objetivo contribuir a la mejora del conocimiento al servicio de la planificación estratégica en el ámbito de las políticas públicas de seguridad interior.

Palabras-clave: crimen violento; medición del crimen; seguridad interna; políticas públicas; severidad criminal.

 

Introdução
Um conhecimento mais aprofundado sobre as tendências criminais, nomeadamente sobre a criminalidade considerada violenta e que atenta contra direitos fundamentais como o direito à vida e à integridade pessoal, é essencial para a (re)definição das políticas públicas, designadamente de segurança interna.
De acordo com Haggerty (1998), é através do conhecimento estatístico que a população entra para o pensamento político, sendo que a governança se torna praticável quando conceitos subjetivos, como a segurança, são tornados objetivos.
Loader e Sparks (2012) salientam a existência de uma politização do crime pois este deixou de ser gerido fora dos “bastidores” por especialistas, ao contrário do verificado em épocas anteriores, mas tornou-se objeto de disputa política. Neste clima, as políticas criminais estão crescentemente sob a influência dos mass media e da opinião pública e à mercê da ativação da emoção popular.
A noção de violência e de criminalidade violenta estão amplamente disseminadas na sociedade, existindo alguns níveis de consenso básicos, mas quando é necessário operacionalizar conceitos (que crimes estão efetivamente aqui abrangidos) as posições estão longe de ser unânimes, mesmo entre profissionais que trabalham no âmbito do Sistema de Justiça Penal.
Esta ausência de unanimidade também se reflete nas próprias definições oficiais vigentes em Portugal, uma utilizada, desde há mais de vinte anos (e inalterada desde então), em sede do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), a designada “criminalidade violenta e grave”, e uma outra prevista no Código de Processo Penal, desde há mais de 30 anos (tendo sido alterada em 2007 e 2010), encontrando-se subdividida na “criminalidade violenta” e “criminalidade especialmente violenta”.
Desde 2010, assiste-se em Portugal a uma diminuição contínua dos quantitativos registados pelos Órgãos de Polícia Criminal no domínio da designada “criminalidade violenta e grave”, com exceção do aumento verificado em 2019 face a 2018 (+3%). Trata-se de um indicador muito positivo no âmbito da segurança interna, no entanto, em termos do Código de Processo Penal a definição consagrada ao nível da “criminalidade violenta”/“criminalidade especialmente violenta”, possui uma abrangência diferente, pelo que importa efetuar uma reflexão em torno destes conceitos e consequentemente das conclusões que se possam retirar acerca de eventuais variações ou tendências a este nível.
Por outro lado, diversas vezes é afirmado que a criminalidade violenta e grave diminuiu em termos quantitativos, mas a “carga de violência” com que os crimes são praticados (severidade criminal) aumentou. Neste domínio da análise da severidade da violência existe uma ausência de critérios devidamente estabelecidos e de dados disponíveis que permitam corroborar ou refutar esta hipótese.
A revisão da literatura, os resultados e reflexões que aqui se apresentam decorrem de algumas das linhas de investigação prosseguidas por Quaresma (2019) . Trata-se de um estudo que envolveu, nomeadamente a realização de 21 entrevistas exploratórias com representantes de entidades do Sistema de Justiça Penal (SJP) e especialistas na temática, o desenvolvimento e aplicação de um questionário para diferentes profissionais do SJP (N= 651), e ainda a recolha e tratamento de dados administrativos de diversas fontes oficiais.
A medição do crime
Conforme salientado pela Organização das Nações Unidas (2003), as estatísticas oficiais/administrativas provenientes do Sistema de Justiça Criminal não respondem a todas as necessidades de informação. Como é amplamente reconhecido, uma parte considerável dos crimes não são participados à polícia/autoridades (“cifras negras”) e outras informações relevantes para o sistema não estão acessíveis nestas estatísticas oficiais.
Assim, e de forma complementar às estatísticas oficiais, foram desenvolvidas outras metodologias/instrumentos para tentar colmatar estas lacunas, os inquéritos de vitimização e os inquéritos de delinquência autorrevelada . No mesmo sentido, Agra (2001) indica que só com estes três instrumentos se pode observar com rigor a evolução da criminalidade. Os inquéritos de vitimização servem para recolher dados junto da população acerca do seu contacto com o crime e o Sistema de Justiça Criminal, e os segundos pretendem procurar obter informação sobre a autoria criminal.
Conforme indicado pela UNODC (2010), de entre as estatísticas oficiais/administrativas, as estatísticas policiais constituem geralmente a primeira etapa de um sistema de estatísticas de justiça criminal, e embora constituindo uma aproximação imperfeita, as participações criminais registadas pela polícia são usadas para medir as taxas de crime num dado país, reconhecendo que as estatísticas oficiais/administrativas e os inquéritos de vitimização são os instrumentos essenciais.
No âmbito da medição do crime importa convocar também o conceito de taxa de atrito, o qual se refere ao facto de que uma parte considerável dos casos “cai fora” do Sistema de Justiça Penal, podendo esta perda ocorrer em diversos momentos, desde a participação, ao seu registo como crime até às condenações (HMCPSI , 2004).

Esquema 1: Pirâmide representativa da criminalidade real e criminalidade medida pelas estatísticas oficiais.
Fonte: Quaresma (2019)

O Esquema 1 pretende ilustrar a criminalidade real e aquela que é medida pelas estatísticas oficiais, evidenciando-se um “afunilamento” desde o volume de casos que não são do conhecimento do Sistema de Justiça Penal, aos que ultrapassam essa fronteira, mas que acabam por não ser registados, aos que ficam registados e finalmente até aqueles que efetivamente geram acusações e posteriormente condenações (e entre estas, importará ainda avaliar as decisões transitadas em julgado).
De acordo com a OMS (2014), as mortes violentas constituem a “camada” mais visível da violência, seguindo-se outras formas de violência que chegam ao conhecimento das autoridades (ex.: Saúde, Sistema de Justiça Criminal e Segurança Social), posteriormente encontra-se a violência que é captada apenas nos inquéritos de vitimização (reportada ou não às autoridades), e finalmente a camada mais profunda e mais invisível que reflete as situações de violência não reportadas às autoridades nem detetadas pelos inquéritos de vitimização (Esquema 2).
Segundo o ONS (2018), os dados provenientes de inquéritos de vitimização serão melhores indicadores das tendências no âmbito do crime violento em geral, cobrindo as ofensas mais comuns (com maiores frequências) mas menos severas, e as estatísticas policiais facultarão uma melhor medida dos crimes violentos que são menos comuns (com menores frequências), mas mais violentos (higher-harm violence).

Esquema 2: Pirâmide da violência.
Fonte: Adaptado de OMS (2014)

Uma atenção especial deve ser prestada ao homicídio intencional, não só justificada pela gravidade deste crime, mas também pelo facto de esta ofensa constituir um dos indicadores mais mensuráveis e comparáveis para monitorizar as mortes violentas, sendo frequentemente utilizado como um indicador proxy para medir a criminalidade violenta e os níveis de segurança nos diversos países (UNODC, 2015).
A medição da severidade criminal

Francis, Southill e Humphreys (2005) referem que, em termos da avaliação da severidade criminal, existem essencialmente três pontos de vista: o público, o oficial e o privado, os quais interagem, mas que analiticamente são distinguíveis. O ponto de vista privado corresponde ao que efetivamente as pessoas pensam acerca da severidade de um dado crime e que pode ser dificilmente acedido se as pessoas não disserem exatamente aquilo que pensam. Há cerca de um século atrás, os crimes contra a propriedade eram considerados oficialmente mais graves do que os crimes contra as pessoas e opiniões que fossem nesse sentido seriam mais facilmente expressas. Importa assim reter que a noção de severidade varia consoante o tempo e o lugar.
A importância da utilização de um índice de severidade criminal relaciona-se com a necessidade de ultrapassar a limitação existente relativamente à taxa tradicional de crimes. Esta pode ser afetada facilmente por flutuações nos quantitativos de crimes menos graves, muitos deles os mais comuns, indicando um aumento ou diminuição da criminalidade em geral, contudo, os quantitativos dos crimes graves podem ter variado de forma oposta (Perreault, 2013).
Ramchand, MacDonald, Haviland e Morral (2009) apontam a existência de diversos tipos de estudos realizados para graduar os vários tipos de crime de acordo com a sua severidade. Estes autores categorizam em três tipos os referidos estudos: aqueles relacionados com “rankings”, construídos através da perceção do público e dos profissionais; estudos relativos aos custos sociais e económicos do crime; e estudos que focam a “escalada” na “carreira criminal”.
Liu, Francis e Soothill (2011) referem a existência de outras metodologias utilizadas para avaliar a severidade criminal. Fornecem o exemplo das escalas de severidade desenvolvidas para auxiliar os juízes na determinação da sentença (ex.: Estado da Florida). Estas escalas são construídas com base em pareceres/avaliação de peritos/experts. As pontuações fornecidas pela escala (que variam consoante se trate da ofensa principal, ofensa adicional ou de uma ofensa já alvo de condenação prévia) e que têm também em conta outros fatores como os danos/prejuízos causados na/à vítima, utilização de arma de fogo e cometimento prévio de crime grave, são usadas para produzir uma orientação/recomendação global da sentença.
A outra metodologia, mencionada por Liu, Francis e Soothill (2011), reporta-se à estimação de escalas de severidade criminal com base em dados dos tribunais (ex.: com base na duração das sentenças de prisão proferidas). Referem o trabalho de Thus, Carrington et al., de 2005, em que foi utilizada uma medida de severidade criminal desenvolvida pelo Centro para as Estatísticas de Justiças do Canadá.
Para se calcular este índice da severidade criminal, existe um sistema de classificação dos crimes (baseado na média das sentenças proferidas pelos tribunais para esses crimes). Quanto mais elevada a média das sentenças proferidas para um dado crime maior será o peso atribuído a esse tipo de crime no referido sistema classificatório.
O cálculo do índice de severidade, metodologia implementada em 2009, é obtido efetuando um somatório ponderado dos crimes e dividindo pela população. Como outros índices, foi estabelecido um ano de base (100), neste caso 2006, em relação ao qual se comparam os quantitativos dos outros anos.
Tendo em conta que este índice de severidade dos crimes participados se baseia nas sentenças proferidas, o sistema de classificação subjacente é revisto de cinco em cinco anos, de modo a captar mudanças nos padrões das sentenças, alterações ao código penal ou outra legislação, sendo que em 2013 ocorreu a primeira revisão (Perreault, 2013) e já em 2018 as ponderações atribuídas aos crimes foram ajustadas (Allen, 2018).
Sherman, Neyroud e Neyroud (2016) propuseram a criação e utilização do designado Crime Harm Index (CHI), uma medida alternativa ao índice de severidade baseado nas sentenças proferidas, e que se baseia nas guidelines para as sentenças. Para estes autores, esta metodologia torna-se mais viável de ser aplicada pela polícia e não é influenciada pelos fatores atenuantes ou agravantes tidos em conta na sentença relativamente ao ofensor (ex.: ser reincidente), focando-se essencialmente no crime em si.
Para a construção deste índice, Sherman et al. (2016) identificaram o mais baixo ponto de partida de cada ofensa equivalente a um ofensor sem antecedentes criminais, depois o número de anos de prisão previsto foi convertido no número total de dias.
Sherman et al. (2016), com base numa análise referente a um período de dez anos (2002/2003 até 2011/2012), apuraram que o número total de crimes diminuiu 37%, enquanto o CHI correspondente diminuiu 21%. Assim, e se o foco/métrica for a gravidade do crime, ao se utilizar o primeiro resultado estar-se-á a sobrestimar uma diminuição da gravidade do crime em 76%, ou a considerar que a melhoria na segurança pública foi 76% mais elevada do que a que se obtém pela análise do CHI (Sherman et al., 2016).
Tal como apontado por Francis, Southill e Humphreys (2005), a análise da severidade criminal encerra uma dicotomia. A severidade criminal pode referir-se a um evento criminal específico ou a um tipo de crime. No primeiro caso, tem-se em conta os detalhes do crime individual, produzindo-se uma medida da severidade criminal diferente para cada ofensa do mesmo tipo de crime. No segundo caso, obtém-se uma medida da severidade criminal comum a todas as ofensas pertencentes ao mesmo tipo de crime.
Pode analisar-se a severidade criminal de dois pontos de vista: a severidade “inter-crimes”, de modo a ter-se em conta que os vários crimes não têm a mesma gravidade; e a severidade “intra-crimes”, de mais difícil acesso, mas potencialmente mais reveladora das efetivas tendências ao nível da severidade criminal ao longo do tempo.
A propósito da análise da severidade “intra-crimes”, convocam-se aqui os contributos de Welner (2006), que corrobora a ideia de que os crimes se distinguem entre si também pela sua severidade (é possível identificar os “piores dos piores”).
Este autor elenca um conjunto de quase 40 fatores a ter em conta para se avaliar a severidade intra-criminal, sendo que estes fatores decorrem das guidelines das sentenças a nível federal e estatal (EUA) e organizam-se em quatro domínios.
Intenção do ofensor (ex.: para obtenção de ganho pecuniário ou resgate);
Ações do ofensor (ex.: múltiplas vítimas mortais; atos cometidos na presença de criança ou outro membro familiar);
Atitudes do ofensor (incluindo comportamentos após os factos) (ex.: demonstrar total desrespeito pela vida humana; atrocidade, crueldade);
Vitimologia (ex.: idade da vítima, jovem ou idosa; vítima vulnerável em função de outros fatores extra idade).
A medição da criminalidade violenta: o caso português
Definições
Em Portugal, coexistem duas definições relevantes no domínio da criminalidade violenta, uma inscrita no Código de Processo Penal (de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta) e a que é utilizada em sede do RASI relativa à criminalidade violenta e grave (CVG), e com base na qual a medição desta realidade tem sido feita em Portugal desde 1998.
A origem da definição de criminalidade violenta (CV) do Código de Processo Penal (CPP) remonta a 1987, ocasião em que era definida conjuntamente no âmbito dos “casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada”. Na reforma penal de 2007, o CPP passou a contemplar definições distintas para terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente violenta (CEV) (conceito introduzido em 2007) e criminalidade altamente organizada. Em 2010, a definição de CV/CEV foi ajustada de modo a contemplar igualmente os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e contra a autoridade pública, data a partir da qual se tem mantido inalterada.
Segundo esta definição, a criminalidade violenta corresponde “às condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos” e a criminalidade especialmente violenta aplica-se ao tipo de condutas previstas no âmbito da “criminalidade violenta”, mas que são puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos.
Uma análise da definição de CV e da CEV determina a integração direta de 32 crimes previstos no Código Penal (CP), 19 enquadram-se na criminalidade especialmente violenta e 13 na criminalidade violenta (7 dos quais, mediante circunstâncias agravantes previstas podem ser puníveis com moldura penal de CEV). A maioria destes crimes enquadra-se na tipologia dos crimes contra as pessoas (27), sendo os restantes crimes contra o Estado (contra a autoridade pública) (5).
No RASI opta-se, desde 1998, por um outro conceito: “criminalidade violenta e grave” (CVG), baseada, atualmente, num conjunto de 25 categorias penais/estatísticas que “têm como denominador comum a violência física ou psicológica, sendo causadores de forte sentimento de insegurança” (Gabinete do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna [GSGSSI], 2017; 2018). As 25 categorias penais/estatísticas da definição do RASI correspondem a 22 crimes autónomos do CP e 4 crimes previstos em legislação avulsa (lei do terrorismo), ou seja, um total de 26 crimes.
Esta definição e metodologia de medição, com mais de 20 anos, tem-se mantido inalterada desde então (apenas com ajustes decorrentes, nomeadamente da desagregação das subcategorias de roubo ou ao nível do terrorismo). Esta manutenção da definição e metodologia tem a mais-valia de viabilizar a análise de uma série estatística longa, como a que é possível neste momento. Assim, e se por um lado ao nível da CVG do RASI o foco da definição assenta no sentimento de insegurança e alarme social provocado pelos crimes, numa vertente mais sociológica; na definição do CPP, o racional baseia-se numa vertente mais jurídico-penal, apela-se à natureza dos crimes/bem jurídicos protegidos e moldura penal. Apesar destas realidades, nenhum destes conceitos estará reconhecido em termos do Sistema Estatístico Nacional.
Comparando as duas definições e sua abrangência, constata-se a existência de 11 crimes abrangidos pelas duas definições CPP e RASI (ex.: homicídio, ofensa à integridade física grave, violação, rapto, e resistência e coação sobre funcionário). Salienta-se que estes 11 crimes comuns correspondem a cinco categorias estatísticas do elenco de 25 do RASI em termos de CVG (Quadro 1).
Porém, existem outros crimes que estão apenas abrangidos por uma das duas (ex.: roubo, extorsão, associação criminosa, e terrorismo apenas na definição de CVG; e, por exemplo, violência doméstica, maus-tratos, abuso sexual de criança, e tráfico de pessoas que constam apenas da definição de CV/CEV do CPP).
Art.º do CP CV ou CEV (CPP) CVG – RASI
131.º Homicídio Homicídio voluntário consumado (Art.ºs 131.º, 132.º, 133.º, 134.º e 136.º do Código Penal)
132.º Homicídio qualificado
133.º Homicídio privilegiado
136.º Infanticídio
144.º Ofensa à integridade física grave Ofensa à integridade física voluntária grave (Art.ºs 143.º e seguintes do Código Penal)
145.º Ofensa à integridade física qualificada
158.º Sequestro Rapto/ Sequestro/ Tom. reféns (Artºs 158.º, 61º e 162.º do Código Penal.)
161.º Rapto
162.º Tomada de reféns
164.º Violação Violação
347.º Resistência e coação sobre funcionário Resistência e coação sobre funcionário
Quadro 1: Os 11 crimes/categorias em comum entre a definição de criminalidade violenta do CPP e a definição de CVG do RASI.
Fonte: Quaresma (2019).
Apesar do roubo não figurar entre os crimes abrangidos diretamente pela definição do CPP (que apenas comporta crimes previstos no CP da tipologia de crimes contra as pessoas e alguns contra o Estado), existirá consenso que o mesmo deva ser incluído.
A definição do CPP cobre todos os crimes previstos na definição do RASI, com exceção de 15 (nas tipologias de crimes contra o património, contra a vida em sociedade e da Lei do terrorismo [LT]). Por outro lado, a definição do RASI deixa de fora 21 crimes da definição do CPP (17 crimes contra as pessoas e 4 crimes contra o Estado/Autoridade pública) (Quadro 2).
Assim, com base na análise efetuada às duas definições, foram identificados 11 crimes comuns às duas definições (CPP e RASI), 21 apenas na definição do CPP, 15 apenas da definição do RASI, perfazendo um total de 47.
No caso da definição do CPP, esta cobre 100% dos crimes contra as pessoas da definição do RASI e também o crime contra o Estado aí previsto. Por outro lado, a definição do RASI contempla crimes nas tipologias dos crimes contra o património, contra a vida em sociedade e em legislação avulsa, o que não sucede na definição do CPP.
Sintetizando, a definição do CPP cobre 42% dos crimes contemplados na definição do RASI, e esta definição abrange 34% dos crimes envolvidos na definição do CPP, evidenciando-se uma fraca sobreposição entre as duas definições.
Existem ainda crimes potencialmente abrangidos numa definição de criminalidade violenta, que concilie as duas perspetivas, e que não constam de nenhuma das duas definições (ex.: incitamento ou ajuda ao suicídio, dano com violência, auxílio à imigração ilegal, tráfico de droga, detenção de arma proibida e cometimento de crime com arma).

Art.º do CP
Apenas na definição CPP (21) Art.º CP ou LA Apenas na definição RASI (15)
138.º Exposição ou abandono 210.º Roubo
144.º-A Mutilação genital feminina 211.º Violência depois da subtração
152.º Violência doméstica 223.º Extorsão
152.º-A Maus-tratos 287.º Captura ou desvio de aeronave, navio, comboio ou veículo de transporte coletivo de passageiros
152.º-B
Violação de regras de segurança
288.º Atentado à segurança de transporte por ar, água ou caminho de ferro
154.º-B Casamento forçado 289.º Condução perigosa de meio de transporte por ar, água ou caminho de ferro
159.º Escravidão 297.º Instigação pública a um crime
160.º Tráfico de pessoas 298.º Apologia pública de um crime
163.º Coação sexual 302.º Participação em motim
165.º Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência 303.º Participação em motim armado
166.º Abuso sexual de pessoa internada 299.º Associação criminosa
168.º Procriação artificial não consentida 2.º LT Organizações terroristas
169.º Lenocínio 4.º LT Terrorismo
171.º Abuso sexual de crianças 3.º LT Outras organizações terroristas
172.º Abuso sexual de menores dependentes 6.º LT Terrorismo internacional
175.º Lenocínio de menores
176.º Pornografia de menores
349.º Tirada de presos
350.º Auxílio de funcionário à evasão
354.º Motim de presos
355.º Descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público
Quadro 2: Crimes abrangidos apenas por uma das definições de criminalidade violenta/CVG (CPP ou RASI).
Fonte: Quaresma (2019).
Deste modo, aos referidos 47 crimes acima indicados podem ainda ser aditados outros e que no caso da investigação realizada por Quaresma (2019) poderão ser mais 13, totalizando 60 (artigos do CP e legislação avulsa) potencialmente abrangidos numa definição de criminalidade violenta.
Tendências/variações na criminalidade violenta registada
Atendendo aos dados de 2017, se a definição de CV/CEV (do CPP) fosse a utilizada, em contraponto à definição utilizada no RASI para “criminalidade violenta e grave”, sendo que entre ambas apenas existe coincidência para 11 crimes, os quantitativos mais que duplicariam (34.043 vs. 15.303, respetivamente) (ver Quadro 3).
Por outro lado, ao nível das tendências observadas, se pela definição utilizada em sede de RASI é evidente um decréscimo do volume nesta criminalidade, nomeadamente no período de 2008 a 2017, em que a taxa de variação anual média é de -3,4%, sucede o inverso se atendermos à definição prevista pelo CPP, neste caso este mesmo indicador assume o valor de 1%.
Verifica-se, no entanto, que qualquer que seja a definição usada, o ano em que se verificaram mais registos de criminalidade violenta, considerando o período comparável entre as duas definições de 2008 a 2017, foi o de 2010. Relativamente ao ano em que se observaram menos ocorrências, não existe coincidência, sendo que segundo a definição do RASI foi o de 2017 e pela definição do CPP foi o de 2008, o que surge alinhado com as tendências de evolução divergentes já referidas previamente.
Definição de CVG (RASI) Definição de CV/CEV (CPP)
N.º de crimes abrangidos 26 32
N.º de crimes em comum 11
N.º de crimes registados (2017) 15.303 34.043
Peso na criminalidade geral (2017) (%) 4,5% 10%
Crimes com mais peso na definição (2017) Roubo: 78%
Resistência e coação sobre funcionário: 11%
Ofensa à integridade física grave: 3,8%
Violação: 2,7%
Extorsão: 2,3%
Violência doméstica: 78%
Resistência e coação sobre funcionário: 4,8%
Coação sexual: 3,5%
Abuso sexual de crianças: 2,8%
Maus-tratos: 2,1%

Proporção representada pelo crime com mais peso em cada uma das definições na criminalidade geral em 2017 (%) Roubo:
3,5% Violência doméstica:
7,8%
Ano correspondente ao valor máximo (2008-2017) 2010 2010
Ano correspondente ao valor mínimo (2008-2017) 2017 2008
TVar (2008-2017) (%) -37,2 8,0
TVMA (2008-2017) (%) -3,4 1,0
TVA (2016-2017) (%) -8,7 0,3
Quadro 3: Síntese comparativa do impacto das duas definições de criminalidade violenta na sua medição
Fonte: Cálculos da responsabilidade de Quaresma (2019), com base nos dados extraídos do SIEJ/DGPJ).

Analisando a distribuição dos crimes mais registados em cada definição, para o ano de 2017, constata-se que em ambas existe um único crime responsável por 78% dos registos da criminalidade violenta, no caso da definição do RASI é o roubo e no caso da definição do CPP é a violência doméstica (sendo que nenhum destes faz parte do elenco de 11 crimes que as duas definições têm em comum). O crime de resistência e coação sobre funcionário ocupa igualmente o segundo lugar nas duas definições, embora com pesos diferentes (na definição do RASI: 11% e na definição do CPP: cerca de 5%).
Na primeira definição, entre os cinco crimes mais representados na CVG consta a ofensa à integridade física grave (3,8%), a violação (2,7%) e a extorsão (2,3%). No caso da segunda definição, surgem outros crimes, como a coação sexual (3,5%), o abuso sexual de crianças (2,8%) e os maus-tratos (2,1%). Salienta-se que deste total de seis outros crimes, apenas a ofensa à integridade física grave e a violação são comuns às duas operacionalizações de criminalidade violenta.
A violência doméstica representou, em 2017, 7,8% de toda a criminalidade registada e o roubo apenas 3,5%, sendo que este peso diferenciado ao nível destes principais crimes de cada uma das definições consideradas tem repercussões na expressão da criminalidade violenta na criminalidade geral.
Se se adotasse para efeitos estatísticos a definição de criminalidade violenta (e especialmente violenta) prevista no CPP, o peso deste tipo de crimes passaria para 10% em termos da criminalidade global registada, em detrimento dos 4,5% que corresponde ao peso da CVG (valores para o ano de 2017). Considerando em conjunto os crimes abrangidos nas duas definições, a criminalidade violenta terá representado em Portugal, em 2017, cerca de 14% de toda a criminalidade registada, um valor que corresponde quase ao triplo do valor obtido apenas com a definição de CVG vigente no RASI.
A perceção dos profissionais
No que concerne às perceções dos profissionais envolvidos no estudo efetuado quanto às variações/tendências verificadas ao nível do número de crimes violentos registados (avaliação quantitativa) e ao nível da gravidade desses crimes (avaliação qualitativa), a proporção de respostas que remetia para um desconhecimento aumentou à medida que o período de análise se alargou (último ano, 5 anos ou 10 anos), oscilando entre 17% (109 em 651) e 24% (158 em 651) no caso da questão relativa à avaliação quantitativa (Tabela 1) e entre 22% (141 em 651) a 29% (189 em 651) no caso da avaliação mais qualitativa (Tabela 2), denotando um maior desconhecimento nesta segunda vertente.
Tabela 1: Perceção dos participantes quanto às variações/tendências registadas no número de crimes violentos praticados (análise quantitativa) (Fi e %)
No último ano Nos últimos 5 anos Nos últimos 10 anos
Fi % Fi % Fi %
Diminuiu (para todos) 71 13,1 70 12,9 57 11,6
Diminuiu em alguns crimes e manteve-se noutros 39 7,2 44 8,1 39 7,9
Aumentou em alguns crimes e diminuiu noutros 207 38,2 207 38,3 169 34,3
Manteve-se constante (para todos) 93 17,2 57 10,5 51 10,3
Aumentou em alguns crimes e manteve-se noutros 76 14 83 15,3 75 15,2
Aumentou (para todos) 56 10,3 80 14,8 102 20,7
Desconheço 109 – 110 – 158 –
Total 651 100 651 100 651 100
Fonte: Quaresma (2019).
Na avaliação quantitativa, entre 38% a 43% dos participantes optaram por uma posição generalizadora (diminuição, aumento ou manutenção do número de todos os crimes violentos) quanto à variação observada nos três períodos considerados, proporção inferior à registada no caso da avaliação qualitativa: 44% a 50% (Tabela 1).
Entre 41% e 46% dos participantes considerou que o número de crimes violentos aumentara e/ou se havia mantido (sendo que o valor correspondente para uma diminuição e/ou manutenção se situava entre os 30% e 37%). Em contraponto, entre 52% e 53% dos participantes consideravam que a gravidade dos crimes violentos aumentara e/ou se havia mantido (sendo que o valor correspondente para a diminuição e/ou manutenção oscilou entre 31% e 43%) (Tabela 2).
Tabela 2: Perceção dos participantes quanto às variações/tendências registadas na gravidade dos crimes violentos praticados (análise qualitativa) (Fi e %)
No último ano Nos últimos 5 anos Nos últimos 10 anos
Fi % Fi % Fi %
Diminuiu (para todos) 55 10,8 46 9,1 46 10
Diminuiu em alguns crimes e manteve-se noutros 27 5,3 23 4,5 19 4,1
Aumentou em alguns crimes e diminuiu noutros 158 31 167 32,9 155 33,5
Manteve-se constante (para todos) 136 26,7 95 18,7 79 17,1
Aumentou em alguns crimes e manteve-se noutros 68 13,3 92 18,1 74 16
Aumentou (para todos) 66 12,9 84 16,6 89 19,3
Desconheço 141 – 144 – 189 –
Total 651 100 651 100 651 100
Fonte: Quaresma (2019).
Assim, apesar de se constatar um maior desconhecimento das variações/tendências quanto à gravidade dos crimes violentos face aos seus quantitativos, a maioria dos que facultaram uma resposta concreta apontaram para um aumento/manutenção dessa gravidade. Para as duas vertentes de análise prevalece a posição de que o número de crimes violentos aumentou para alguns crimes e diminuiu para outros (34% a 38% no caso do número de crimes violentos, e 31% a 34% no caso da sua gravidade).
Ensaio sobre a medição da severidade (inter-)criminal
Procurou-se explorar a possibilidade de criação de um índice de severidade criminal para a realidade portuguesa, tendo por base as experiências atrás referidas, designadamente a de Inglaterra e País de Gales (Crime Harm Index). Para o efeito, foram utilizados os 60 crimes potencialmente abrangidos na criminalidade violenta e atrás mencionados. Assim, e tendo em conta os limites mínimo e máximo da pena prevista, estabeleceu-se o ponto médio, o qual foi multiplicado por 365,25 (número de dias do ano, ajustado) obtendo-se uma ponderação para cada crime. Exemplificando, o homicídio qualificado é punido com uma moldura que varia de 12 a 25 anos, o seu ponto médio são 18,5 anos, pelo que a ponderação respetiva será de 6757 (18,5 x 365,25). Deste modo, ao homicídio qualificado é atribuída a ponderação de 6757 (dias de prisão).
Na Tabela 3, é possível observar os valores do índice criado até 2017, de acordo com o conjunto/subconjunto de crimes considerados (por via das fontes para efeitos da respetiva integração na definição de criminalidade violenta).
Assim, verifica-se que quando se analisa o índice de severidade criminal para o conjunto dos crimes/artigos considerados, os valores registados entre 2009 e 2011 foram superiores ao referente ao ano base (2008), seguindo-se uma diminuição, sendo a taxa de variação média anual de -1%.
Tabela 3: Índice de severidade criminal (ano base =2008=100), segundo o conjunto de crimes potencialmente abrangidos na definição de criminalidade violenta (%) e TVMA (%) (2008-2017)
Fonte para efeitos da def. de CV 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 TVMA
(2008-2017) (%)
Total (60) 104,6 107,5 103,0 98,5 93,9 92,7 92,5 90,5 90,7 -1,0
CPP (32) 109,7 118,9 113,9 107,7 108,2 109,0 106,0 106,7 107,4 0,9
RASI (27) 99,0 100,4 98,9 91,1 82,0 77,8 76,9 67,6 62,3 -5,0
CPP e RASI (11) 103,9 115,2 106,5 106,1 96,9 93,5 90,3 84,8 90,4 -0,9
Fonte: Adaptado de Quaresma (2019).
No caso do subconjunto de crimes provenientes da definição de CV/CEV do CPP, para todos os anos o valor foi superior ao de 2008, aumentando em média 0,9% por ano. Se, por outro lado, atendermos aos crimes previstos na definição de CVG do RASI, a diminuição relativa ao ano base foi mais evidente, com uma taxa de variação negativa média de 5%. No que concerne aos 11 crimes em comum às duas definições de criminalidade violenta consideradas (CPP e RASI), até 2012, inclusive, o índice assumiu valores superiores a 100, e de 2013 em diante foi inferior a este valor, sendo a taxa de variação média anual de -0,9%.
Tendo em conta o elevado peso da violência doméstica no total de crimes registados, explorou-se o cálculo deste índice para 2009 a 2017 sem a contabilização deste crime. Constata-se que a taxa de variação média anual passa de -1% para -1,9% e, no caso do subconjunto de crimes provenientes da definição do CPP, a taxa de variação média anual passa de 0,9% para 0%.
Efetuando o mesmo exercício, mas retirando o roubo do cálculo deste índice obtém-se uma taxa de variação anual média já positiva: 0,8%, sucedendo o mesmo para o subconjunto de crimes abrangidos pela definição de CVG do RASI, cujo resultado passa a indicar um aumento anual médio na ordem dos 0,9%. Se se excluíssem estes dois crimes, a taxa de variação anual média situar-se-ia em 0,6%.
Explorou-se igualmente uma análise deste índice de severidade, de forma desagregada segundo as várias tipologias criminais: contra as pessoas, contra o património, contra a vida em sociedade, contra o Estado e prevista em legislação avulsa (Tabela 4).
Tabela 4: Índice de severidade criminal para a criminalidade violenta (ano base =2008=100), segundo as tipologias criminais e TVMA (%) (2008 a 2017)
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 TVMA
(2008-2017) (%)
Total (60) 104,6 107,5 103,0 98,5 93,9 92,7 92,5 90,5 90,7 -1,0
Pessoas (27) 109,8 118,9 113,8 106,9 107,5 108,5 105,3 106,4 107,4 0,9
Património (3) 98,3 98,1 97,7 88,9 79,7 75,0 74,7 64,8 57,6 -5,8
Vida em sociedade (8) 158,6 155,8 274,3 89,2 170,2 548,8 273,7 308,7 516,6 45,4
Estado (5) 105,9 119,9 115,3 124,9 123,8 119,6 120,7 111,5 107,6 1,0
Legislação avulsa (11) 113,6 120,4 110,1 120,1 113,1 115,4 125,4 135,1 149,5 4,8
Fonte: Adaptado de Quaresma (2019).
Verifica-se que, no âmbito dos crimes violentos contra as pessoas, a taxa de variação média anual continua a situar-se nos 0,9% (tal como quando se utilizava o subconjunto de crimes previstos na definição de CV/CEV do CPP). Ao nível dos crimes contra o património considerados (roubo, violência depois da subtração e extorsão), o índice de severidade criminal diminuiu em média 5,8% por ano. Para as restantes tipologias criminais a tendência observada é positiva.
Registam-se aumentos de maior magnitude no âmbito da criminalidade violenta contra a vida em sociedade (Tabela 4), todavia, salienta-se o diminuto número de crimes registados nesta tipologia e aqui considerados no domínio da criminalidade violenta (oito crimes, cujo quantitativo em 2008 foi 34, e em 2017 foi 61), pelo que os valores do índice devem ser analisados com as devidas reservas.
A medição da severidade intra-criminal – proposta de instrumento
Quaresma (2019), com base na revisão da literatura efetuada e no estudo empírico realizado que nesta vertente contou com uma amostra de 479 profissionais do Sistema de Justiça Criminal, propôs um conjunto de potenciais indicadores para medir a severidade intra-criminal.
Tais indicadores estão plasmados no seguinte instrumento que comporta 25 itens, que apresentam apenas duas opções de resposta (Sim, Não), incluindo a previsão de situações em que a informação seja desconhecida ou não aplicável (D/NA ).
N.º Itens para avaliação da severidade criminal Sim (1) Não (0) D/NA
1 A ocorrência teve como alvo vítima especialmente vulnerável?
Se sim, especifique a natureza da vulnerabilidade:
 Idade diminuta (criança)  Idade avançada (pessoa idosa)
 Deficiência  Gravidez  Estado de saúde (física ou psíquica)
 Não tinha alternativa real nem aceitável se não submeter-se ao abuso (ex.: vítima foi tornada dependente de drogas)
 Outro:_______
2 Em função do modo como o crime foi cometido ou meios empregues a vítima encontrava-se indefesa (com menor capacidade para se defender)?
Se sim, especifique:
 Administração de droga sedativa  Ocorreu em local isolado
 Outra situação:_______
3 O crime foi praticado contra familiar?
Se sim, especifique:
 Contra ascendente (ex.: pai/mãe, avô/avó, tio/tia, adotante…)
 Contra descendente (ex.: filho, neto, enteado, adotado…)
 Contra cônjuge/ex-cônjuge ou quem ofensor tenha mantido relação análoga à dos cônjuges
 Outro:____
4 O crime foi motivado por discriminação (racial, religiosa, origem étnica ou nacional, sexo, orientação sexual,…)?
Se sim, especifique:
 Racial  Religiosa  Origem étnica ou nacionalidade
 Sexo  Orientação sexual (ou orientação sexual presumida)
 Deficiência (ou presumível deficiência)
 Outra:_____
5 O crime foi praticado contra figura relevante do Estado, da administração da justiça, da segurança pública, funcionário público, docente, médico… no exercício das suas funções ou por causa delas?
Se sim, especifique:
 Magistrado  Polícia  Funcionário judicial
 Profissional de educação  Profissional de saúde
 Outro tipo de funcionário público
 Profissional ligado ao desporto
 Outro:___
6 No âmbito do crime houve alguma vítima mortal (morte imediata ou nas 24h horas subsequentes)?
Se sim, especifique:
 Uma  Mais do que uma Quantas:___
7 Em resultado do crime, vítima veio a falecer, suicidar-se ou tentar suicidar-se (no caso de morte considerar mais de 24 horas após o crime)?
Se sim, especifique:
 Faleceu  Suicidou-se  Tentou suicidar-se
8 O crime envolveu mais do que uma vítima (não mortal)?
Se sim, especifique: Quantas:____
9 Em resultado do crime, vítima ficou afetada de maneira grave e/ou permanente nas suas capacidades (trabalho, intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem)?
Quadro 4: Proposta de instrumento para efeitos de medição da severidade intra-criminal (continua)
Nota: Onde se lê vítima deverá ler-se vítimas sempre que exista mais do que uma. Nesses casos, basta que o item seja verificado para uma das vítimas para ser considerado como estando presente.

 

N.º Itens para avaliação da severidade criminal Sim (1) Não (0) D/NA
10 Em resultado do crime, vítima ficou privada de importante órgão ou membro ou ficou desfigurada de forma grave e permanente?
Se sim, especifique:
 Privada de órgão ou membro
 Desfigurada de forma grave e permanente
 Outro:______
11 Em resultado do crime, vítima ficou com doença particularmente dolorosa ou permanente ou perturbação psicológica grave?
Se sim, especifique:
 Doença dolorosa/permanente  Perturbação psicológica grave
 Outro:________
12 Houve necessidade de recurso, por parte das forças e serviços de segurança a meios mais sofisticados para neutralizar situação (ex.: chamada de elementos especiais) e/ou verificou-se um elevado nível de destruição/ perturbação do local onde ocorreu o crime?
Se sim, especifique:
 Necessidade de recurso a meios sofisticados para neutralizar situação
 Elevado nível de destruição/ perturbação do local
13 No âmbito da ocorrência houve tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima?
14 Houve utilização de arma ou outro instrumento perigoso?
Se sim, especifique:
 Arma de fogo  Arma branca
 Outro instrumento perigoso Qual:______
15 Houve emprego de tortura física, psicológica ou financeira ou ameaças de morte à vítima ou familiares?
16 No âmbito da ocorrência foi praticado mais do que um crime violento?
Se sim, especifique: Qual (quais):__________
17 A vítima foi submetida ao(s) ato(s) que configura(m) o crime cometido por mais de 24 horas?
18 Houve total (ou quase total) restrição de movimentos da vítima/controlo sobre a vítima?
19 A ocorrência foi presenciada por menor(es)?
20 Foi empregue violência de forma “gratuita” ou provocado dano deliberadamente à propriedade, além do que seria necessário para cometer o crime?
21 A ocorrência constituiu uma situação de revitimização daquela vítima por parte do mesmo ofensor?
22 Existência de coabitação entre vítima e ofensor?
23 O crime foi praticado por mais do que um ofensor?
Se sim, especifique: Quantos:____
24 Verificou-se um nível elevado de premeditação por parte do ofensor, persistência na intenção de cometer o crime, emprego de meios sofisticados para praticar o crime e/ou planeamento sofisticado?
25 Houve intervenção de organização violenta e/ou associação criminosa no âmbito do cometimento do crime?
Quadro 4: Proposta de instrumento para efeitos de medição da severidade intra-criminal (continuação)
Nota: Onde se lê vítima deverá ler-se vítimas sempre que exista mais do que uma. Nesses casos, basta que o item seja verificado para uma das vítimas para ser considerado como estando presente.

De modo a encontrar-se uma medida da severidade criminal relativa a cada crime violento registado, propõe-se que a cotação do instrumento seja efetuada através da seguinte fórmula:
VS =aS/((aS+aN)) x 100

 

Em que:
VS= Valor de Severidade (varia entre 0 e 100)
S= Número de respostas de tipo “Sim”
N= Número de respostas de tipo “Não”
Sempre que número de respostas do tipo “D/NA”≥ 13 não deverá ser atribuído valor de severidade
a=1, exceto nas duas situações abaixo indicadas.
a=0,962 quando no item 6 se encontrar assinalado “Mais do que uma vítima (mortal)” ou no item 14 se encontrar assinalado “Arma de fogo”. Neste caso ao valor de S adiciona-se 1.
a=0,926 quando no item 6 se encontrar assinalado “Mais do que uma vítima (mortal)” e no item 14 se encontrar assinalado “Arma de fogo”. Neste caso ao valor de S adiciona-se 2.

De forma genérica, poderá referir-se que os primeiros cinco itens incluídos remetem para a caraterização das vítimas, os sete seguintes às consequências do crime, os outros dez às formas de violência e meios empregues, e os três finais a aspetos ligados com o ofensor.
Refira-se que o instrumento apresentado é apenas uma proposta e poderá servir de base para uma reflexão neste domínio, podendo vir a considerar-se a necessidade de diminuir o número de itens, simplificar a sua redação e/ou ajustar o algoritmo de cotação, para viabilizar uma efetiva implementação. Poderá igualmente equacionar-se a inclusão de um item adicional onde os profissionais possam inscrever outro fator que considerem relevante para a avaliação da severidade, em cada caso concreto. Através do preenchimento deste tipo de dados será possível atribuir a cada crime violento registado um valor de severidade, podendo posteriormente avaliar-se a variação ou tendências verificadas ao nível da severidade para cada crime e para todos os crimes violentos.
Por exemplo, no ano x, em média, os homicídios (simples) registados apresentaram um nível de severidade de 75 e no ano y de 85, indiciando um aumento da “carga de violência” empregue nos homicídios; ou, em termos globais, os crimes violentos apresentaram um valor médio de severidade de 60 no ano x e no ano y de 50, significando uma diminuição da “carga” de violência com que os crimes violentos foram praticados em geral.
A medição da severidade intra-ciminal: o caso do homicídio
Com base nos dados constantes no Sistema de Informação de Identificação Criminal (SICRIM) relativos a condenações por homicídio (simples/qualificado), na forma tentada e consumada, num total de 2258 registos criminais relativos aos anos de 2010 a 2017, Quaresma (2019) concluiu da existência de indicadores que podem revelar um aumento da severidade criminal no período considerado.

Gráfico 1: Tipologias de homicídio (simples/qualificado) que se encontram nos registos criminais (%) (2010 a 2017).
Fonte: Quaresma (2019).

Entre 2010 e 2017, os dados apontam para um aumento da taxa de variação média anual (TVMA) ao nível: 1) do peso do homicídio qualificado (na forma consumada e na forma tentada) e diminuição do homicídio simples consumado (com manutenção do peso do homicídio simples tentado); 2) da proporção de registos onde surgem concomitantemente condenações por outros crimes; 3) da aplicação de pena de prisão efetiva; e 4) da duração das penas de prisão efetivas decretadas.
Tabela 5: Taxa de variação média anual [TVMA] (%) (2010 a 2017) para vários indicadores relacionáveis com aumento da severidade dos homicídios (dados do registo criminal)
H. S H. S (tentado) H. Q. H. Q (tentado) H. vários Total
Número de registos criminais cuja condenação incluía o homicídio simples (H.S) e/ou homicídio qualificado (H.Q) (consumado ou tentado) -6,0 -2,7 1,6 3,5 13,0 -1,7
Peso de cada tipologia de homicídio (simples/qualificado, consumado/tentado) nos registos criminais que incluem condenação por este tipo de crime -3,3 0,2 2,4 4,3 16,4 –
Proporção de registos em que surge indicada a condenação por outro(s) crime(s) para além do homicídio (em qualquer das suas “tipologias”) 5,1 0,6 4,0 2,6 12,0 2,1
Proporção de registos criminais, com condenação por homicídio, em que surge indicada a condenação a pena de prisão efetiva 2,0 3,2 -1,7 1,8 0,7 1,0
Duração média da pena de prisão efetiva nas condenações por homicídio (em anos) 1,3 0,6 2,7 2,5 1,3 1,3
Fonte: Cálculos da responsabilidade da investigação de Quaresma (2019), com base nos dados disponibilizados pela DGAJ (SICRIM). Adaptado de Quaresma (2019).
Taxa de “progressão” dos crimes registados que chega à fase de julgamento e penas de prisão efetivas
Cruzando a estimativa da proporção de crimes registados que chega à fase de julgamento com a taxa de condenação a pena de prisão efetiva obtêm-se diferentes posicionamentos dos crimes/categorias, sobre os quais importa igualmente refletir (Quadro 5) .
Taxa média de aplicação de pena de prisão efetiva
<8% 8% a 49% >=50%
Estimativa da proporção de crimes registados que chega à fase de julgamento < 20% Violência doméstica Roubo

20% a 49% Maus-tratos a menor/pessoa indefesa
-Total de crimes
– CV (subgrupo)
-Abuso sexual de crianças e menores dependentes
-Rapto/sequestro/tomada de reféns
-Tráfico de estupefacientes Violação
>=50% Detenção/tráfico de armas
Ofensa à integridade física voluntária grave
Resistência e coação sobre funcionário Homicídio simples/qualificado
Quadro 5: Posicionamento dos crimes segundo a estimativa da proporção de crimes registados (2010-2015) que chegam à fase de julgamento (2011-2016) e a taxa média de aplicação da pena de prisão efetiva (%).
Fonte: Quaresma (2019).
No quadrante oposto ao homicídio (em que ambas as taxas são elevadas) surge a violência doméstica, em que menos de 20% dos casos registados chegarão à fase de julgamento e menos de 8% das condenações refere-se a pena de prisão efetiva. Assumindo um posicionamento intermédio encontra-se a globalidade dos crimes e o total de crimes violentos analisados, bem como o abuso sexual de crianças e menores dependentes, o rapto/sequestro/tomada de reféns e o tráfico de estupefacientes. No caso do roubo, apesar de se posicionar de forma intermédia face à taxa de aplicação de pena de prisão efetiva, a sua taxa de progressão no âmbito do processo penal é inferior à globalidade dos outros crimes. Ao nível dos maus-tratos, menos de metade dos casos (embora mais do que a média geral) chega à fase de julgamento, mas posteriormente menos de metade dos arguidos são condenados e em menos de 8% das condenações se verifica a aplicação da pena de prisão efetiva. Em termos da violação, se por um lado menos de 50% dos casos registados atingirão a fase de julgamento, entre os que aí chegam, mais de metade resulta em pena de prisão efetiva.
Apesar da maioria dos casos registados de detenção/tráfico de armas, ofensa à integridade física grave e de resistência e coação sobre funcionário atingirem a fase de julgamento, em menos de metade das condenações é decretada pena de prisão efetiva (no caso dos crimes relativos a armas a pena de prisão efetiva é aplicada em menos de 8% das condenações) (Quadro 5).
Refira-se, apenas para efeitos de alguma comparabilidade com a situação nos restantes países europeus neste domínio, que segundo os dados constantes no último European Sourcebook (Aebi, et al., 2014), Portugal apresentava taxas de condenação criminal inferiores à média dos países europeus analisados, existindo algumas exceções, condenando-se em Portugal mais arguidos (por cem mil habitantes) no âmbito dos crimes de homicídio voluntário, de abuso sexual de criança e de roubo.
Conclusão
Apesar do CPP contemplar uma definição formal de criminalidade violenta (CV) e criminalidade especialmente violenta (CEV), em termos práticos, as estatísticas oficiais assentam na definição contemplada nos relatórios anuais de segurança interna (RASI). As diferenças são muitas e significativas, sendo a sobreposição entre as duas definições inferior a 50%, o que tem necessariamente impacto nas leituras das tendências verificadas. Se pela definição usada no RASI este tipo de criminalidade tem vindo a diminuir, tal não se pode concluir através da outra definição.
A definição de criminalidade violenta e criminalidade especialmente violenta (CPP) deverá ter tradução oficial em termos de estatísticas, de modo que, conforme indicado por Haggerty, entrem efetivamente para o pensamento político, neste caso, em toda a sua plenitude.
Estabilizada uma definição de criminalidade violenta e dos crimes que a integram, importa otimizar a informação a extrair dos dados administrativos habitualmente recolhidos em termos dos crimes registados. A este nível, reveste-se de especial pertinência a medição da severidade criminal. Foram aqui explanados alguns exercícios relativos à medição dessa severidade em Portugal, quer numa vertente inter-criminal, quer numa vertente intra-criminal, cujos resultados interpelam ainda mais à necessidade de se avançar com este tipo de metodologias. Efetivamente, importa complementar as metodologias tradicionais de apresentação das estatísticas criminais (e que viabilizam uma análise essencialmente quantitativa) com metodologias que se traduzirão numa mais-valia para uma análise mais qualitativa (ao nível da “carga de violência”) e mais compreensiva da criminalidade violenta.
Por fim, salienta-se que para a (re)definição das políticas públicas e estratégias na área da segurança interna e da justiça criminal é relevante que, a par de uma medição do crime mais compreensiva, existam dados e indicadores regulares que permitam monitorizar a taxa de atrito para cada crime, nomeadamente ao nível da criminalidade violenta.
Com base na análise efetuada, a violência doméstica, o crime contra as pessoas mais registado em Portugal, sendo o único crime violento que se encontra entre os dez crimes mais registados em Portugal, constituiu-se como aquele, entre os que integram a criminalidade violenta, em que menor proporção de casos chega à fase de julgamento: 12%. Posteriormente, os dados apontam que 53% dos arguidos são condenados e que em 7%, destes casos, recorre-se à pena de prisão efetiva.
No polo oposto situa-se o homicídio voluntário, sendo que os dados indicam que, em média, cerca de 98% chega à fase de julgamento, 75% dos arguidos são condenados e para 90% é decretada pena de prisão efetiva.
Em termos de estimativas, por cada 100 homicídios voluntários registados pelos OPC, em 74 haverá uma condenação e em 66 a condenação será a pena de prisão efetiva; ao nível do abuso sexual de crianças, em cada 100 casos registados pelos OPC, em 27 haverá condenação e em 8 uma pena de prisão efetiva; no âmbito do roubo, por cada 100 casos registados pelos OPC, em 9 haverá uma condenação e em 3 uma pena de prisão efetiva; e, finalmente, na violência doméstica, por cada 1000 (mil) registos dos OPC, em 64 casos haverá condenação e em 4 casos a aplicação da pena de prisão efetiva (ou, em cada 100 registos haverá 6 condenações e menos do que uma condenação a pena prisão efetiva).
Para além da revisão do conceito “estatisticamente oficial” ao nível da criminalidade violenta (o qual poderia passar também a ter validação do Conselho Superior de Estatística), da introdução de metodologias de avaliação da severidade criminal, da pertinência de se introduzir uma análise mais detalhada ao nível dos crimes de homicídio registados (ex.: através da utilização de um instrumento de recolha de dados específico ao nível dos OPC e da realização de um relatório anual autónomo para esta realidade), seria desejável que o Estado prestasse mais atenção a este domínio e dispusesse de uma entidade/observatório/estrutura, entre as atuais ou através de uma nova, que se encarregasse deste tipo de análises de forma estruturada e mais regular.
Tal como referido por Cusson (2007), só através do conhecimento é possível evitar a criminalidade, evidenciando-se assim a sua importância na definição de políticas públicas de segurança que visem prevenir a criminalidade e regular a ordem social. Conforme salientado por Lourenço (2012), políticas públicas de segurança interna adequadas passam pelo reconhecimento da legitimidade da ação policial, a promoção da confiança nas polícias, pelo aumento da eficiência das ações policiais, pela diminuição do sentimento de insegurança e do medo do crime e ainda pelo aumento da eficiência da Justiça, contribuindo para aumentar a confiança neste Sistema e diminuindo a perceção de impunidade.
Referências bibliográficas
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NOTAS